17 de jul. de 2022

o estranho – 4

 




o estranho que cresce dentro do meu útero

uma esfera amalgamada de outrem e de mim a multiplicar-se

em pernas

em braços

em boca

em olhos

pernas que me perseguiram

braços que me agarraram

boca que depositou em minha boca o asco do beijo

olhos que me fitaram com sangue e fogo mais do que desejo

o estranho cresce em proporção geométrica

(ou é isso o que eu acho sentindo o remoer de minhas tripas)

ao medo que tive naquele beco e naquela noite sem perdão

quando um estranho tão estranho quanto o estranho que cresce dentro do meu útero

profanou meu útero com seus tentáculos de gosmas abissais

e agora esse estranho que arredonda minhas formas

torna-me a mim uma estranha para ele que cresce dentro de mim

e eu sou apenas a menina de quinze anos

que tem nos olhos o vazio do estranhamento do mundo

e a solidão que cresce com o estranho que habita minhas entranhas





26.6.2021

(Ilustrção: Rene-Magritte - The rape)



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