30 de jul. de 2022

o perfume da poesia








pode a minha poesia às vezes ter o perfume de rosas mas

não te enganes – eventual leitor – a minha poesia

tem raízes no esterco das hortas dos interiores profundos

e seu cheiro esconde a química da transformação da merda de bois e cavalos

espalhadas pelos caminhos tortuosos de terra e areia

em falsas suavidades e duros espinhos que

se não machucam a pele paquidérmica dos capitalistas

aquela pele enrugada dos velhos decrépitos em seus cemitérios de ouro e prata

enrijecida à luz dos holofotes dos salões de hipócritas caridades

é porque seus descarados desencantos e diatribes

são meros traques na queima de fogos de réveillons e festas de casamento

são tiros de espingarda de ar comprimido para abater caças

das forças aéreas dos estados unidos da américa useiras e vezeiras

em lançar bombas sobre todos aqueles que olham torto para o grande cannyon

gota de chanel número cinco

no meio do suor de milhões e milhões de desalentados

a caminhar pelas estradas vazias



mesmo que não seja a minha poesia

o canto dos oprimidos

seu perfume de estranhas origens rescenderá nas noites de lua nova

pelo menos uma vez por ano – um átimo apenas -

e será essa tênue névoa o suficiente

para deixar na terra dos poderosos o fósforo riscado no meio dessa noite

a trazer o piscar de esperança para um mundo sem nenhuma poesia




23.1.2021

 (Ilustração: Relm - queen of hearts)

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