21 de jul. de 2022

o estranho – 5

 




o estranho que habita em mim me diz coisas que não compreendo

sonha os sonhos que eu não quis sonhar

desbrava memórias que não mais me pertencem

descobre falsos tesouros de piratas amordaçados em minha mente

escreve poemas antigos com métricas parnasianas e rimas ricas

e esconde de mim minhas verdadeiras emoções

de tal forma que às vezes não sei se amo ou odeio

e como um amálgama de mim mesmo

uma cópia borrada que a impressora não completou

fico sem saber se sou eu mesmo a caminhar sozinho pelas ruas

ou se é minha sombra a ganhar vida e a abandonar-me para seguir esse estranho que escamoteia meus sentimentos

ou se sou eu mesmo a caminhar pelas estradas poeirentas de montanhas desconhecidas

a mendigar um horizonte que me acolha



se amaldiçoo o estranho que em mim habita e comigo divide uma vida que já não sei se é minha ou se é dele

a mim mesmo me amaldiçoo

e choro por ele as lágrimas que jamais choraria por mim



4.3.2002

(Ilustração: Salvador Dalí)

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