para ítala nandi
eu
te
vi
nua
totalmente nua
num tempo quando o fio da espada enferrujada
condenava até mesmo a nudez da lua
eu te vi nua num palco
totalmente nua
teus pentelhos negros
num tempo quando até a palavra nudez
era proibida
e quando te despiste naquele teatro
entre rendas e cortinas transparentes
a plateia transida sem saber
se fechava ou arregalava os olhos
para teus pentelhos explícitos
só eu te vi nua
e esperava uma excitação de nervos
vinda lá de baixo
mas a filha do deus
do deus de todas as vinhas
a filha do deus bacante
que estava nua
ali naquele palco iluminado
não era a fêmea a provocar tesão
era apenas uma bela mulher nua
nada mais que uma bela mulher nua
uma bela mulher nua
uma mulher nua
nua
só
e a sua solidão nua era mais do que a minha
própria solidão nua
e até hoje estou só
na minha solidão com você
quando vejo como vi
tantas outras mulheres nuas
mas só você e sua solidão
ali
naquele palco
diante da plateia lotada
estava só
solitária como a estrela que surge durante o dia
acompanhando a lua
e você estava nua
para a minha eterna solidão
também nua
10.10.2021
(Foto: Ítala Nandi e Othon Bastos em "Na Selva das Cidades",
de Bertold Brecht, montagem do Teatro Oficina,
em São Paulo, em 1969)
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