numa esquina meio torta da madrugada
o bêbado e o poeta passaram a pisar juntos
as curvas e os meandros emolientes da velha rua
- você escorregou, poeta
- num pouco de pó de estrelas
as três-marias piscaram uma para a outra
- você tropeçou, poeta
- num pedaço de lua
a lua lá em cima sorriu
- você está muito bêbado, meu amigo
- mas não tropeço em pedaço de lua
nem escorrego em pó de estrelas, poeta
- é minha forma de estar bêbado, meu amigo
- amanhã estarei curado da bebedeira, poeta,
e você, o que será de você
- sorte sua que amanhã será um novo dia,
e você pode viver um pouco e esperar a noite
dois gatos pardos e um cão amarelo
enroscaram-se nas pernas dos caminhantes
e seguiram correndo – o cão atrás dos gatos
- eu, meu amigo, da minha bebedeira não escapo
que ela se chama poesia e está dentro de mim
mas tão dentro de mim
que nem toda a água do mundo trará a cura
o bêbado parou pensou e deitou à beira da calçada
o poeta seguiu seu caminho tropeçando em luas
escorregando em poeiras de estrelas
coruja solitária a piar pela madruga da cidade grande
21.12.2020
(Pablo Picasso - Guillaume Apollinaire)
(Você pode ouvir este poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
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