12 de jul. de 2022

o bêbado e o poeta

 




numa esquina meio torta da madrugada

o bêbado e o poeta passaram a pisar juntos

as curvas e os meandros emolientes da velha rua



- você escorregou, poeta

- num pouco de pó de estrelas



as três-marias piscaram uma para a outra



- você tropeçou, poeta

- num pedaço de lua



a lua lá em cima sorriu



- você está muito bêbado, meu amigo

- mas não tropeço em pedaço de lua

nem escorrego em pó de estrelas, poeta



- é minha forma de estar bêbado, meu amigo

- amanhã estarei curado da bebedeira, poeta,

e você, o que será de você

- sorte sua que amanhã será um novo dia,

e você pode viver um pouco e esperar a noite



dois gatos pardos e um cão amarelo

enroscaram-se nas pernas dos caminhantes

e seguiram correndo – o cão atrás dos gatos



- eu, meu amigo, da minha bebedeira não escapo

que ela se chama poesia e está dentro de mim

mas tão dentro de mim

que nem toda a água do mundo trará a cura



o bêbado parou pensou e deitou à beira da calçada

o poeta seguiu seu caminho tropeçando em luas

escorregando em poeiras de estrelas

coruja solitária a piar pela madruga da cidade grande



21.12.2020

(Pablo Picasso - Guillaume Apollinaire)


(Você pode ouvir este poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:




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