24 de jul. de 2018

aurora







quanto mais negra a aurora a anunciar a tempestade

mais canta o poeta a esperança de que o raio ilumine

não a nuvem negra que empareda o tempo da tormenta

mas o caminho entre as montanhas por onde seguir cantando



mesmo que o vento traga apenas restos mortais de águas

pútridas (o anseio estilhaçado em pedaços de redes inúteis)

o peixe mergulha ao fundo do oceano a fugir do predador

e se mistura feliz entre os corais e os rochedos que o disfarçam



não cai o pássaro do ninho às bátegas de chuva se por acaso

passou todo o inverno a entretecer os fios e ramos

(arquiteto e operário num mesmo bater de asas solícitas)

e agora ensaia à chuva o canto de outros bicos protegidos



assim vive a esperança ao canto às vezes inútil do poeta

assim caminham todos os que baqueiam embora e se levantam

e o tempo amarga cada pegada que na montanha deixam os pés

enrugados e feridos a galgar o lento caminho sempre para o alto 





13.6.2018


(Ilustração: Luis Ricardo Falero)

Nenhum comentário:

Postar um comentário