4 de jul. de 2018

raízes podres








no tempo de raízes podres o sol se põe mais cedo 

o vento não traz alento enquanto o canto triste do fogo-apagou 

reboa na mata morta de terra em cinzas onde os bois pastam 

ruminando as folhas secas de um passado de flores e frutos 

o boi comeu a floresta e o homem come o boi e come a raiz podre 

que o boi rumina em surdina no fim do ciclo ao ciciar do vento 

a cidade distante não sabe de bois nada sabe de ventos 

a cidade distante é feita toda ela da raiz podre da floresta 

e morre um pouco mais a cada peido do boi que comeu a mata 

santos os dias em que não houve um rangido de morte 

ou um ronco súbito da motosserra debulhando o dente podre 

de quem mora sob as toras de aço do viaduto progressista 

o vento que sopra do capim seco queima a face do agiota 

e o sol açoita a bunda do dono do banco em busca de papagaios 

o boi comeu a mata e a mata agora mata o boi e mata o homem 

com as raízes podres do veneno que o vento venta nas ventas 

do capitalista que queima na caldeira do trem de ferro 

as últimas toras da última árvore pau-brasil que havia na margem 

do rio podre que vira o leite da criança que não verá o sol 

que se perdeu mais cedo atrás do rochedo nu da cidade morta 



20.6.2018




(Ilustração: Doug Johnsonson)



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