no tempo de raízes podres o sol se põe mais cedo
o vento não traz alento enquanto o canto triste do fogo-apagou
reboa na mata morta de terra em cinzas onde os bois pastam
ruminando as folhas secas de um passado de flores e frutos
o boi comeu a floresta e o homem come o boi e come a raiz podre
que o boi rumina em surdina no fim do ciclo ao ciciar do vento
a cidade distante não sabe de bois nada sabe de ventos
a cidade distante é feita toda ela da raiz podre da floresta
e morre um pouco mais a cada peido do boi que comeu a mata
santos os dias em que não houve um rangido de morte
ou um ronco súbito da motosserra debulhando o dente podre
de quem mora sob as toras de aço do viaduto progressista
o vento que sopra do capim seco queima a face do agiota
e o sol açoita a bunda do dono do banco em busca de papagaios
o boi comeu a mata e a mata agora mata o boi e mata o homem
com as raízes podres do veneno que o vento venta nas ventas
do capitalista que queima na caldeira do trem de ferro
as últimas toras da última árvore pau-brasil que havia na margem
do rio podre que vira o leite da criança que não verá o sol
que se perdeu mais cedo atrás do rochedo nu da cidade morta
20.6.2018
(Ilustração: Doug Johnsonson)
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