passeio à noite pelo jardim que só existe
na memória de futuros que não viverei
piso na grama molhada de neblinas frias
pensando pensamentos de melancolias
na saudade que na mente ainda persiste
a contar os sonhos que um dia sonhei
a grama o vento o frio a madrugada
todo o mundo agora para mim é nada
quando o vento que venta dentro de mim
traz o retrato de sombras sem fim
e o cantar dos meus passos na grama molhada
desencanta os cantos da vida de outrora
sujo os pés e limpo-os na grama de agora
mas por dentro está tudo tão escuro
e o vento que venta dentro de mim
torna cada passo um canto cada vez mais duro
no compasso estranho de estranhas vivências
o frio a névoa o vento a madrugada o frio
dentro de mim sopra o vento para o rio
e navego num barco sem controle e sem remo
sou apenas o que sei que sou e ainda temo
que meu futuro seja assim como vento da noite
a soprar dentro de mim como bate o açoite
nas costas nuas de uma pele negra a donzela
que não se entrega e não presta favores
a mulher que um dia teceu uma fulva estrela
com o recorte de seus dentes em meu peito
e hoje que ainda sonho o sonho dos desertores
pisando a grama fria da fria madrugada
tenho para mim que ela foi a mais amada
ainda que tenha o meu sonho todo desfeito
e me deixado nu ao frio desta madrugada
22.8.2018
(Ilustração: Edvard Munch, evening melancholy, 1896)
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