um verso que se me escapa pelos meandros da memória
dentro de uma noite insone em que revejo em mim a história
de quando eu menino corria pelos matos de minas em busca
de uma bola perdida ou de uma cachoeira para o mergulho
nas tardes quentes de pardais e bem-te-vis pelas mangueiras
o comboio de vagões seguindo lento a maria-fumaça
o sol estiolando mamonas e os pés descalços pisando espinhos
as duas caranguejeiras arrancadas ao buraco do barranco
com um pedaço de capim molhado de cuspe e elas no chão
colocadas frente a frente combatentes sem trégua e sem bandeira
lutando apenas porque lutar é seu destino mesmo que o oponente
seja uma igual ou talvez por isso mesmo por serem tão iguais
as bolinhas de gude rolando na areia o mandacaru florindo à noite
e o pé de ora-pro-nobis debulhando bolinhas amarelas espinhentas
a bola de meia arregaçando-se aos poucos na peleja pelo gol
as brigas de moleques por invisíveis territórios não demarcados
a jabuticabeira florindo desde a raiz em promessa de doçuras
e o verso que se me escapa pelos meandros da memória
transforma o desejo de vida em lembranças de uma noite insone
para que a vida que ainda palpita possa na saudade se renovar
23.10.2018
(Ilustração: Lavras/MG - anos 50)
Nenhum comentário:
Postar um comentário