26 de out. de 2018

renovação








um verso que se me escapa pelos meandros da memória 

dentro de uma noite insone em que revejo em mim a história 

de quando eu menino corria pelos matos de minas em busca 

de uma bola perdida ou de uma cachoeira para o mergulho 

nas tardes quentes de pardais e bem-te-vis pelas mangueiras 

o comboio de vagões seguindo lento a maria-fumaça 

o sol estiolando mamonas e os pés descalços pisando espinhos 

as duas caranguejeiras arrancadas ao buraco do barranco 

com um pedaço de capim molhado de cuspe e elas no chão 

colocadas frente a frente combatentes sem trégua e sem bandeira 

lutando apenas porque lutar é seu destino mesmo que o oponente 

seja uma igual ou talvez por isso mesmo por serem tão iguais 

as bolinhas de gude rolando na areia o mandacaru florindo à noite 

e o pé de ora-pro-nobis debulhando bolinhas amarelas espinhentas 

a bola de meia arregaçando-se aos poucos na peleja pelo gol 

as brigas de moleques por invisíveis territórios não demarcados 

a jabuticabeira florindo desde a raiz em promessa de doçuras 

e o verso que se me escapa pelos meandros da memória 

transforma o desejo de vida em lembranças de uma noite insone 

para que a vida que ainda palpita possa na saudade se renovar 








23.10.2018


(Ilustração: Lavras/MG - anos 50)






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