réu confesso que sou
um acumulador
coleciono obsessivamente
poemas
não só os meus mas de
poetas de todos os idiomas
de todos os lugares
poemas
em que haja a mais fina
poesia
poemas em que haja a mais profunda
filosofia
poemas em que haja amores
permitidos e proibidos
poemas em que haja histórias
edificantes
de flores e fontes
de dores de escravos
de revoltas e solidões
poemas em que haja esperanças
e desesperanças
lamentos por filhos mortos
lamentos por nações mortas
e como dizem muitos
poemas escritos com
sangue
suor
lágrimas
poemas que expressam
desejos e tesões desencantados
poemas enamorados
de fadas em ninhos de arminhos
em rios e mares em ilhas de navegadores
poemas que cantam heróis
poemas que lamentam enforcados
poemas que cantam suicidas
poemas que exsudam loucura
poemas habitados por deuses
que do olimpo olham com desdém
a velha luta pela sobrevivência
poemas que cantam
o inferno
o purgatório
o céu
poemas desenganados por lutas de operários
cheios de todos os sonhos do ser humano
cheios de todos os pesadelos que nos atormentam
cheios de música e aliterações
poemas com asperezas de montanhas
e promessas de luas novas
poemas com ganidos de cães
e ronronar de felinos no plenilúnio
todos os poemas porque confesso
réu no banco das provas que sou
sim
sou um acumulador
de estrelas e cavernas
de mundos e pensamentos
expressos em linhas quebradas
pretensamente ritmadas
profusamente rimadas
ou livres como penas de pássaros
levadas à brisa da manhã
coleciono-os como objetos empilhados
no meu depósito de emoções
acumulados como as pedras das pirâmides
embrulhados como sonhos de padaria
enrolados em sinfonias de mahler
desfiados nas pedras do caminho
coleciono-os a todos
no meu desespero mais desencantado
de buscar num verso ou numa estrofe ou
até mesmo num simples fragmento
o que sou
o que somos
na tormentosa carreira da vida
11.3.2019
(Ilustração: Eliseu Visconti)
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