18 de jun. de 2019

belle époque





há exatamente um século na europa destroçada

artistas

poetas

músicos

escultores

fotógrafos

dançarinos

pintores

loucos todos eles pelo absinto

morriam tísicos

morriam com a espanhola

morriam

deixando registros de dor sim

suicídios e lágrimas

lágrimas e suicídios

juventude enterrada em chão de flores

deixando no lodo das ruas as pegadas

inefáveis garantias de futuros

inimagináveis futuros para tantos

que do fundo da terra nunca sonharam

vilipendiados e apupados em vida

pisados os seus talentos em becos sujos

famélicos exércitos a gritar pelas ruas

ouvidos e sentidos e vendidos por milhões

tanto tanto tempo depois do grito

devaneios em dólares e libras e euros vertidos

não sapateie o século xxi sobre seus túmulos

que a mão do mercado conspurcou

deixemo-los cadáveres insepultos vagando ao léu

entupidos de cocaína e absinto e formidáveis visões

das ruas de paris aos becos de londres e nova iorque

que gritem pregões e vozes roucas de leiloeiros

os monstros sagrados já não provocam espanto

passeiam de fraque pelas alamedas de são francisco

comem spaguetti no coliseu ou fodem nas academias

de patetas e poetas anônimos no alto de arranha-céus

das ruas sujas de paris ao bas-fond de buenos aires

cantar e dançar e escrever e pintar que seja tudo

tocado pela mão mágica de financistas e vendido

no altar-mor da capela sistina do mercado mundial

não choremos nós os simples mortais a mortalidade

de uma juventude morta há um século em paris

que o tempo envelhece a si mesmo e come a todos

aqueles que um dia desejaram engaiolar seus segredos





3.6.2019

(Ilustração: Albert Herter - Le départ des poilus - août 1914)

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