2 de jun. de 2019

zero




não houve em meus passos o bater de tambores

não se ouve em meus gritos o bater de ossadas

nego o meu campo de centeio em brisa debulhado

assim como nego o teu anseio por novos mundos

caminho apenas e caminhas comigo por vales

que um dia de pressa e de chuvas torrenciais

lavaram e levaram nossos sonhos e travessias

restou apenas de nossos passos a lama podre

presa para sempre na sola dos nossos sapatos

gritamos e não ouvimos nunca de volta o som

de qualquer grito ou de qualquer sonata

quando quedas d’água surgidas de nossos olhos

queimaram a pele que esturricava ao sol

e então minha cara companheira de infortúnio

tudo o que era dia virou apenas o buraco negro

de onde surgiram dragões e fogos infernais

comendo as carnes que antes cobriam ossos

deixando enfim nossas vidas no ponto zero





29.5.2019


(Ilustração: René Magritte - La lampe philosophique; 1936)

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