agostinho saiu da alta idade média
veio caminhando através dos séculos
abrindo abismos por onde ronda a sombra de deus
até que um dia o abismo olhou de volta para agostinho
abriu um sorriso de dentes raivosos por debaixo
de imensos bigodes que nada tinham de amistosos
e os dois se olharam como se olham dois filósofos
odiaram-se à vista primeira de cada uma de suas obras
eivadas todas de complexas razões de vida e de história
não era o filósofo de grandes bigodes nenhum gato
para ser alisado por razões pitagóricas e abanar o rabo
não era agostinho o bondoso antagonista anafórico
a pescar em abismos de deuses mortos e fedidos
tentou escarnecer das dúvidas e da dureza
dos pelos do bigode humano demasiado humano
daquele anti-filósofo que cantava óperas de wagner
sendo que o tal que se dizia santo nunca ouvira
sequer uma orquestra quanto mais uma ópera
mas os séculos tinham seus abismos próprios
e os caminhos todos levavam ao nada
apertaram-se as mãos os dois filósofos em respeito
àquilo que um dia pensaram e escreveram
nietzsche deu-lhe um tapinha nas costas e isso
foi o suficiente para que toda a idade média
saísse-lhe pela boca em gosmas de monges e papas
tomaram depois uma coca-cola e comeram juntos
um hambuguer no mac donald e às gargalhadas
viram o abismo ao pé do santo virar borbulhas
e o bigode do outro ser estampado pelo mundo
afora em camisetas de jovens descolados
que não sabem o que é escolástica nem repetem
uma só palavra do que falava o Zaratustra
porque é assim a humanidade - como as cores
do arco-íris se dissolvem no ar denso depois
da chuva assim se dissolve qualquer filosofia
6.5.2019
(Ilustração: Paul-Delvaux - The skeleton and the shell)
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