10 de jun. de 2019

agostiníada




 

agostinho saiu da alta idade média

veio caminhando através dos séculos

abrindo abismos por onde ronda a sombra de deus

até que um dia o abismo olhou de volta para agostinho

abriu um sorriso de dentes raivosos por debaixo

de imensos bigodes que nada tinham de amistosos

e os dois se olharam como se olham dois filósofos

odiaram-se à vista primeira de cada uma de suas obras

eivadas todas de complexas razões de vida e de história

não era o filósofo de grandes bigodes nenhum gato

para ser alisado por razões pitagóricas e abanar o rabo

não era agostinho o bondoso antagonista anafórico

a pescar em abismos de deuses mortos e fedidos

tentou escarnecer das dúvidas e da dureza

dos pelos do bigode humano demasiado humano

daquele anti-filósofo que cantava óperas de wagner

sendo que o tal que se dizia santo nunca ouvira

sequer uma orquestra quanto mais uma ópera

mas os séculos tinham seus abismos próprios

e os caminhos todos levavam ao nada

apertaram-se as mãos os dois filósofos em respeito

àquilo que um dia pensaram e escreveram

nietzsche deu-lhe um tapinha nas costas e isso

foi o suficiente para que toda a idade média

saísse-lhe pela boca em gosmas de monges e papas

tomaram depois uma coca-cola e comeram juntos

um hambuguer no mac donald e às gargalhadas

viram o abismo ao pé do santo virar borbulhas

e o bigode do outro ser estampado pelo mundo

afora em camisetas de jovens descolados

que não sabem o que é escolástica nem repetem

uma só palavra do que falava o Zaratustra

porque é assim a humanidade - como as cores

do arco-íris se dissolvem no ar denso depois

da chuva assim se dissolve qualquer filosofia





6.5.2019

(Ilustração: Paul-Delvaux - The skeleton and the shell)


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