16 de jun. de 2019

autorretrato nº 5







não sou bicho do campo nem da cidade

digo apenas que sou um bicho

um cão sem dono a revirar o lixo

tendo perrengues com a verdade



se às vezes até para mim eu minto

dizendo a todos sou filho de rei

sempre digo a todos com certeza

que viva o quanto viva nada sei

nem de mim nem deste mundo

e se me chamasse raimundo

seria ainda criança dentro de mim

embora olhe para tudo assim sisudo



pareço-me um pouco àquele capim

que nasce no meio de tudo

pobre planta que mata planta

e só se me provocam viro bicho



no mais das vezes sou apenas

aquele mesmo cão a viver do lixo

e assim a cheirar coisas pequenas

viro vira-lata com lua na garganta

velho ranzinza nascido jovem fingido

ouro falso e muito mal tingido

catador de histórias e de poemas

colecionador de sonhos mentirosos

a derreter no verbo todo o espanto

da espera de dias mais ditosos



talvez esse tudo que acima disse

nem seja mesmo o que eu penso

o que sobre mim escrevo e versejo

porque apenas o que sinto e vejo

é que a vida me leva à estultice

como leva o vento um leve lenço



28.4.2019 




(Ilustração: Carl Spitzweg)





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