não sou bicho do campo nem da cidade
digo apenas que sou um bicho
um cão sem dono a revirar o lixo
tendo perrengues com a verdade
se às vezes até para mim eu minto
dizendo a todos sou filho de rei
sempre digo a todos com certeza
que viva o quanto viva nada sei
nem de mim nem deste mundo
e se me chamasse raimundo
seria ainda criança dentro de mim
embora olhe para tudo assim sisudo
pareço-me um pouco àquele capim
que nasce no meio de tudo
pobre planta que mata planta
e só se me provocam viro bicho
no mais das vezes sou apenas
aquele mesmo cão a viver do lixo
e assim a cheirar coisas pequenas
viro vira-lata com lua na garganta
velho ranzinza nascido jovem fingido
ouro falso e muito mal tingido
catador de histórias e de poemas
colecionador de sonhos mentirosos
a derreter no verbo todo o espanto
da espera de dias mais ditosos
talvez esse tudo que acima disse
nem seja mesmo o que eu penso
o que sobre mim escrevo e versejo
porque apenas o que sinto e vejo
é que a vida me leva à estultice
como leva o vento um leve lenço
28.4.2019
(Ilustração: Carl Spitzweg)
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