4 de dez. de 2020

nova ideologia

 





stalin plantou uma árvore

cujos frutos estavam podres

regamos sim essa árvore

por um tempo demasiado

porque não víamos seus frutos podres

ofuscados pelo sol da ideologia

não foi a ideologia que frutificara

fora o coração podre de stalin

que fizera nascer essa árvore

de frutos podres

o sol cegara com ideologia

os nossos olhos

não plantou nenhuma árvore

no coração de marx

os pobres do mundo continuam

comendo as raízes do capitalismo

sem noção do fruto dourado

que é mais podre que os frutos podres da árvore de stalin

os campos de soja destroem florestas

porque dizem que tu precisas comer

e o gado come o ouro de wal street

porque dizem que tu precisas viver

nós os ex-stalinistas cagamos solenemente

nos salões de governos dos ditadores

se confessamos os crimes que não cometemos

é porque deixamos nossos fígados dependurados

nos paus-de-arara dos quepes verdes

porque não batíamos continência para beócios

não há saída para o pensamento

que não seja o raio de luar em noites negras

há nos palácios de todos os governos

quartos escuros e escuras intenções

não nos cabe a nós

- os ideólogos da nova terra –

exorcizar demônios que não criamos

- aliás aqui entre nós

nunca acreditamos nos demônios –

também não acreditamos nos deuses

e se queimamos os seus altares

é porque a vida vale ser vivida e não querelada

seja o espanto de cada um de nós a nossa estrada

seja o vento de cada mudança o nosso norte

somos todos uns loucos da lua cheia

a esconder nos esconsos das galeras dos piratas

o tesouro de nosso desespero

no histerismo freudiano de nossos sonhos

determinismos explodem a cada passo

sabemos o que queremos

nem sempre queremos o que sabemos

no chão podre de fábricas de computadores

há mais pedras lapidadas no passado

do que imaginou qualquer poeta

se gritamos o nosso urro pelas ruas

somos apenas pó de estrela

à procura de um destino

que se sacrifiquem novos cristos

não deveria ser problema nosso

mas o grito do passado ainda ecoa

chega de sangue

chega de pregos

chega de gólgotas

a esperança está no capim da estrada

não está na sandália do abandonado

não há pai

não há mãe

os filhos da pátria são todos filhos gerados in vitro

ou clonados do sangue dos conquistadores

césares e alexandres pululam pelos campos

em busca de nossa jugular

enquanto ainda hitler gargalha entre os vermes

o vento da dor a todos arrepia

ou você luta ou você caga

se o caminho de flores nascer sobre as fezes

e sobre o sangue de quem aceitou a lei do chicote

a lei deles escurecerá o mundo

caiba a cada novo membro da nova seita

ser o sol que esturrique o verme

no coração de stalin não há mais sangue

que no coração dos plantadores de cadáveres

enquanto berra o cordeiro de deus

bebem teu sangue os magnatas da quinta avenida

e de todas as quintas partes de tua vida

que eles expropriam enquanto és o escravo do mercado

sobre os teus ossos o mar em ondas

renasce em flores de pedra e gelo

e desse cabedal és tu o chão em que pisam

não terás nunca em tuas mãos o teu próprio destino

se o entregas aos cães que ladram na noite

e buscam tuas carnes ou cheiram tuas entranhas

teus desertos mentais deixam aos monstros

os restos de orgias dolarizadas em bolsas do mundo inteiro

o papel picado que eles jogam pelas janelas

nas festas de réveillon são as tuas tripas

e cada célula do teu corpo tem dono

formas as fileiras sob as botas que batem

no asfalto do poder a marcha dos famintos

não é tua fome que alimenta o monstro

não é teu grito de dor que provoca orgasmos

a máquina que move o mundo

tem no teu olhar para o futuro

a energia de sóis e de bombas atômicas

para manter teu espanto

e comer a cada dia um pouco do teu sonho

e é de teu sonho que ela – a máquina –

se alimenta e se constrói

esquece stalin – ele está morto há tantos milênios

quanto o teu silêncio diante do destino que traçam para ti 




25.5.2020 

(Ilustração: escultura de Kris Kuski)

 

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