19 de dez. de 2020

orgia





corpos penetram-se

interpenetram-se

fundem-se e separam-se

o tempo e o espaço

apertados e interligados

num só laço

num só abraço

do vento à água e à pedra

a tudo quanto medra

em conluio de penetrações

ossos e areia

o vento tateia

nas peles a terra e pulmões

orgânicos e minerais

as interpenetrações

sem interrupções

sem dores nem ais

o solo em que semeia

o ar que se respira

soterra o osso e a pele

põe e repõe e tira

e depois expele

e depois aspira

o fruto maduro

o pau que era duro

a polpa que é mole

derrete como água

à fonte que deságua

esfria e aquece

tudo que se mistura

interpenetrações

num só espaço

dento do nó do tempo

o tempo que morre

no corpo do morto

o osso e a pedra

da pedra à asa

da água à brasa

no fogo o jogo

o tempo passa

passa e repassa

a lua enlua-se e traça

a noite de gozos

de gozos não gozosos

de gozos gasosos

ao sol que aquece

à chuva que umedece

ao tempo que esquece

a terra se fertiliza

sem qualquer comoção

na orgia precisa

de corpos em gozos

em gozos de penetração

na orgia da decomposição



5.10.2020

(Ilustração: Claude Monet)


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