23 de dez. de 2020

os velhos

 




os velhos sentam-se na praça

e jogam dominó

falam de coisas estranhas

como discos voadores e minhocas assassinas

riem com bocas sem dentes

envenenam o ar com seu hálito podre

os velhos sabem da vida

berreiros de recém-nascidos

e gemidos de moribundos

gestam flores murchas nas orelhas peludas

ouvem valsas ao som de sinos de igrejas barrocas

comungam velhas crenças de terras planas

cacarejam segredos de cada advogado

que olha por cima do ombro as pedras pretas

do dominó de pintas brancas como o olho

do gato que escorrega pelo capinzal

os velhos estranham as mídias

e se escondem atrás das lentes do lambe-lambe

qualquer passarinheiro que lhes entregue

uma pizza macia de queijo e azeitona preta

torna-se logo o conselheiro da tribo

os velhos não têm mais dentes e suas línguas

cortam o vento em lâminas de escândalos

sabem tudo os velhos da praça

por isso ordenham o sangue no olho

de jovens inúteis do passeio público

todos eles desejam que os velhos

dancem enfim o jogo da desesperança

mas os velhos da praça apenas gracejam

e riem de suas perplexidades e continuam

jogando dominó na velha praça dos velhos poetas 




25.1.2020

(Ilustração: Caravaggio)

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