8 de dez. de 2019

mineirices



 

mineiro tem saudade do mar

mesmo quando nunca viu o mar

mineiro tem fala mansa e enrolada

come final de palavras como come

queijo com goiabada mas sua fala é

poesia mesmo quando conta causos

mentiras de pescador picando fumo

mineiro tem o jeito desconfiado

mas com um dedo de prosa bem prosada

ele lhe serve café ralo e lhe dá sua casa

mineiro tem saudade do mar

toca viola na roça quando é roceiro

pisa nas nuvens quando é da cidade

dizem que tem dinheiro no colchão

mas isso é só para fingir que é rico

tem mesa de jantar com gaveta

para esconder da visita o prato de comida

mas divide com prazer o arroz feijão e angu

se a visita não é nenhum parente

mineiro tem saudade do mar

e chora escondido as suas mágoas

nem sempre tira chapéu para defunto

porque tem apego ao merecimento

reza o terço todo dia e vai à missa

confessa e comunga ainda que ateu

segue procissão na sexta-feira da paixão

e não come carne na semana santa

às vezes come peixe (peixe não é carne)

conta causos compridos e ouve mentiras

com o ar contrito de quem não acredita

mineiro tem saudade do mar

inventa janelas e constrói em tono delas

casarões coloniais e igrejas barrocas

mineiro é mesmo bicho encalacrado

em dobra de morro e beira de rio

se de algo não gosta logo amua

e se gosta fica sempre na sua

tem medo de assombração

em noite em que está cheia a lua

pega na viola e canta sem saber

a mágoa do caboclo e a saudade

do mundo inteiro a se desfazer

no peito imenso em que cabe até

todas as veredas e todas as ruas

ao tomar uma boa xícara de café

mineiro é assim sempre a sonhar

por viver entre tantas montanhas

é que mineiro tem saudade do mar



14.10.2019



(Ilustração: foto de Fátima Alves)





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