10 de dez. de 2019

navegantes




tantas vezes se morre pela vida afora

que a morte quando na verdade chega

só traz surpresa porque é ela que implora

o nosso perdão por ser assim tão cega

a colher vidas que afloram por instantes

luzes de pirilampos em noites escuras

às tontas pelos caminhos e pelas fissuras

das rochas e das montanhas distantes

sopros de vento a apagar velas nas sepulturas

quando deviam ter caminhado um pouco mais

porém não há desculpas para os sobreviventes

que acordam cada manhã como se fosse a vida

um contínuo sem fim sem dor e sem doentes

vórtice de galáxias num sonho sem guarida

a iludir a si mesmos pensando que a velha trapeira

deles se esqueceu e que portanto sobreviverão

ah pobres dementes a rir à toa pelas proas

sem saber que gargalham da própria doideira

navegantes que viajam na classe de primeira

esperando de alguma estrela guia a salvação

ignorantes que por isso serão os primeiros

a serem enxotados e jogados como embusteiros

do navio fantasma da vida no mais fétido porão



17.11.2019

(Ilustração:Antoine Caron - 1521-1599 - 
Les funérailles de l'Amour)




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