29 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 13


(Guennadi Ulibin)



Vento

Vem um vento frio,
frio como a morte:
sopra fraco do passado
a trazer ao peito meu
uma fria e fina angústia...

Vem o vento e aumentam mais um pouco
as dores, dilemas e fatos
que não deviam mais voltar
e meu peito se estufa de mais angústia...

E o vento sopra como um tufão,
a vergar meu coração-palmeira-encrespada,
a trazer uma grande dor que parece infinita...

Da procela no olho vesgo,
abro um pouco meus próprios olhos
e vejo ao longe outras palmeiras
já quebradas e arrastadas ao vento forte...

Só me sinto em meio ao tufão,
já meu coração prestes a parar,
mas na última rajada, definitiva,
encontro em minhas raízes a força maior.

Machucado, arranhado, alquebrado,ergue-se aos poucos meu coração-palmeira,
ao ver um raio fino e frágil de luz
que, em meio à treva, me vem dos olhos seus.



21.8.92

27 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 12


(Guennadi Ulibin)


Velho dragão



Vou-me consumindo em chamas
sopradas por um velho dragão
e enquanto sofro me renovo
a nascer e renascer a cada instante.
Não bastam, no entanto, as chamas
a devorar em lenta agonia o peito em dor:
mais que a voraz consumição,
mata-me aos poucos o sonho inútil
de ver em ti transformada a fera rude.
Embora saiba que és tu a alma
do monstro que habita as cavernas de meu ser,
pressinto-te amando-me mais
quanto mais me consome a vida a chama desse amor.
És o deus vingador em línguas de fogo tornado,
para trazer a mim o sentido profundo
de ter-te em chamas a queimar meu peito,
de viver em morte cada segundo em que asseguro amar-te mais que à própria dor.




18.8.92

25 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 11


(Guennadi Ulibin)



Amor sem fim



rompeu-se o dique às dores
a afogar-me o frágil barco
às ondas insanas em dor tornadas

e vêm-me aos olhos vagas sombras
em véu de angústia a tolher-me o pranto
em vão me esbaldo no remar inútil
em vão me esforço a sofrer calado

ondas de triste espanto a dor navega
só e profundamente só me sinto
tendo por prazer a dor da entrega
e pulsa em mim a angústia total

fujo de mim e em mim me afogo
em mar de escolhos de espanto em dor
sou o marinheiro triste a fugir do porto
para a fatal viagem de um amor sem fim.


29.7.92

15 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 10


(Guennadi Ulibin)


A dor





A dor é azul como o azul de rosas inexistentes
diáfana e suave
sabe a cheiros de mar a dor
triste e azul como o mar
a dor é fria é gelo é aço
corta em pedaços o ser a dor não sofre fazendo sofrer
a dor não chora
fazendo chorar
e o sal que à boca chega
tem cheiro de mar
do mar não vem a dor
do ar não vem a dor
do fogo não vem a dor
queima afoga expira
no peito em dor
a própria dor.



21.7. 92

13 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 9


(Guennadi Ulibin)


Saibros



Saibros que descem à chuva

da vaga-luz à luz da lua

de pedras – montanhas em serras azuis do píncaro ao vale

ralam meu peito

na ânsia de ir

ao fundo da terra

em busca de luz

à dor entregue exangue

do sangue ao suor

saibros de dor

ao triste féretro

de doce luar.




21.6.92

11 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 8


(Guennadi Ulibin)


Refúgio



Se fico bêbado pelas esquinas

e os cães me lambem a boca,

do nojo ao certo em ti me encontro;

se me ralo nas pedras das ruas,

se me atropelam os ônibus da vida,

se sofro, se choro, se me desespero,

em teus braços o refúgio derradeiro

encontro para novos embates;

se me desprezam ou me cospem,

se partem meu coração em átomos de dor,

se me tornam vil e mesquinho,

em teu corpo, em teus olhos me purifico

desejando um dia merecer todo esse carinho;

e tu me vês sempre a sofrer,

fazendo-te sofer ainda mais:

sou aquele que sempre volta,

como um cão vadio à procura de dono,

à casa em que me esperas limpa e doce

para purgar os crimes de que não fujo,

para tornar-te uma vez mais

a parceira de negros tormentos

de minha alma louca e sem sossego.


15.4.93

9 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 7


(Guennadi Ulibin)


Um deus



Entrei, um dia, no meu próprio ser,

à busca do deus que em mim habita.

Na caverna escura, bem ao fundo, brilhavam

seus olhos que a tudo perscrutam.

Encarei-o, encarou-me, odiamo-nos.

Num combate mortal entre imortais,

mergulhamos ambos no fundo abismo

onde assistem todos os demônhos.

Entre mim e o deus selou-se a paz

para a luta contra nossos poderes antes ocultos no fundo de nossas mentes.

A luta atroz remete-nos ao passado

e prepara a fronteira de nosso futuro.

Mas seu final inglório será um dia

atingir a morada de todos os deuses.




12.1.94

7 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 6


(Guennadi Ulibin)


VÍDEO, GRATIAS!



Em queda livre,

caia de boca na mediocridade!

Tenha a futilidade da pluma ao vento:

lave os seus pentelhos com shampoo de ervas

escove seus olhos com o creme dental mais branco

lave ruas roupas com a fumaça do erotismo

e seja gay no horário nobre da TV;

coma o horóscopo de cada dia e sorria o riso branco de silicone.

É preciso profanar

os seios virgens da bailarina azul

e amar metaforicamente

todas as putas e travestis.

Caia de boca

na boca do mundo

e viva a média de sua classe

através das lentes de um falso cristal.

Afinal, será essa a única dor que não dói?


17.2.86

5 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 5


(Guennadi Ulibin)



Genial




Genial é o palhaço Carlitos a capturar num gesto todos os sorrisos,

a esconder num passo a dança

de todas as dores.


Genial é Drummond

a tirar do verso a dor ridente

de si mesma sorrindo.

Genial? Genial é Picasso

a esconder as formas aparentes

em traços aleatórios

de abismos revelados.

Genial é Rodin a pensar o homem

ao pensar na pedra.


Genial é o moço

eternamente sonho a buscar

guerrilhas de liberdade

e a dar ao nome - Guevara - o som

de todas as igualdades.


Genial é, enfim, o homem

que sonha o real,e, ao sonho realizar,

nos caminhos não se perde

de seu louco ideal.






28.7.93

3 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 4


(Guennadi Ulibin)



SÃO TOMÉ DAS LETRAS




chão de pedra

céu de jade


infinitos


perco meus olhos

olhando além

das águas

das matas

da rocha


flores da pedra

flores de pedra


rudes


cascatas em mármore

mármore em cascatas


azuis




fluido o ar

na rocha a luz

cristais

o eco da luz

na rocha fluida



o sol

nos sóis

dos olhos

os infinitos

horizontes


emoções.




20.2.91

1 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 3


(Guennadi Ulibin)



A SÍNDROME







Que venha o diabo

na pele macia da vamp loira

da sala escura

que eu - seu escravo -

me transporto ao porto

dos ventres podres

e cato como um rato

o resto indigesto de um rock’n roll.

Que venha o demo

de dentro de mim

uivando à lua

na rua do fim.

Que venha o coisa-ruim

a ruminar estranhas

bacanais

a mexer nos ânus das putas

abruptas tranfusões umbilicais

desperto o desejo no pejo

de não gozar

do porto o mar

a síndrome

malditos todos os lupanares.

Que venha o cão

à peste de todos os ares

separando os pares

nos seus esponsais

homossexuais.

Que venha o capeta

do fundo dos tempos

que não mais existirão

a ruminar a gosma negra

do prazer outra vez maldito.

Que venha das trevas luciferinas

soltar seu grito

o diabo demo coisa-ruim

o cão capeta

a síndrome - viagem sem fim

a que destinas

todos os que ousam buscar além

prazer e gozos que - achas - não convêm.




7.3.90