30 de abr. de 2018

o mecanismo








fodam-se os feios os frouxos os famintos 

a máquina trituradora não pode parar 

aos lamentos e às desditas de quem não a alimenta 

e a máquina tem fome muito mais fome 

que a fome de milhões de famintos por aí afora 

suas garras arranham e arrebentam 

montanhas e flores e suas entranhas 

comportam rios e lagos e chuvas tropicais 

seus movimentos enérgicos de quando ela era 

apenas o ronco de uns poucos motores e teares 

têm agora a lentidão de estrelas no infinito 

mas a sua fome expulsa pantagruéis 

de qualquer banquete a que ela comparece 

mesmo sem ser convidada de ninguém 

sabe a fedores de enxofre os seus arrotos 

não fertiliza a terra suas fezes podres 

constrói e destrói com avidez de buracos negros 

espalha cadáveres em monturos fétidos 

seu coração pulsa ao tilintar de registradoras 

espalhadas em pontos estratégicos da terra rendida 

a seus passos rangentes engrenagens e roldanas 

parecem repetir como um mantra a todos os ouvidos moucos 

que se fodam os feios os fracos e os famintos 









3.4.2018

(Ilustração: escultura de Liu Xue)





29 de abr. de 2018

nua para mim








tu te despes para mim

como a rosa se despetala ao vento

mas a rosa que se despetala ao vento

não tem o desejo que tens ao te despires

para mim



tua nudez sacraliza o próprio ato de te mostrares

sem atavios e sem outras possibilidades

que não sejam o amanhecer de meus anseios



quando ficas nua para mim

o mundo se reduz ao contorno de tuas ancas

e todo o despertar de antigas eras

percorre o arrepio de meu encanto



a nudez de teu corpo expele de mim

a grata paixão por outros caminhos que não sejam

os que levam ao teu gesto de rosa ao vento



os rios que vejo em cada uma de tuas veias

os vales que descortino em cada enleio de tuas formas

os luares de maio que em brumas me envolvem

não são todos os teus mistérios para mim



guardas na tua nudez absoluta o resquício

de profundidades inalcançadas e de estrelas

que já não mais existem no meu céu de paixões



quero-te assim nua para mim

como pétala em flor de setembro

como brilho de faróis na tormenta

quero-te nua simplesmente nua


2.3.2018


(Ilustração: Alfred Henry Maurer)





28 de abr. de 2018

no bordel








às luzes do bordel a carne velha ganha uma nova data de validade

bocas enfaradas saciam o gosto milenar do predador pela vítima putrefata

os ratos passeiam pela orquestra que muge tangos improváveis

há nas paredes papéis cobertos de musgos e flores abissais

o desejo arrepia a carapaça da cabeça de crocodilos e dinossauros

pensam-se penas penadas em pelagens de ornitorrincos

num teatro de sombras e anseios jamais concretizados

a carne disposta em ganchos de dentes podres balança ao som

do piano quebrado num canto redondo do espelho de vidros coloridos

o vento de ventiladores inexistentes ferve os miolos e aquece

corações partidos e emendados pelos eflúvios de alcaloides

corre o ópio em veias e velhos horizontes que se desdobram

em cantos oníricos de prazeres que se frustram a cada mordida

nos ossos que restam sobre as mesas podres que se partem

em triângulos amorosos desviados de suas origens sujas

as luzes do bordel não se apagam jamais e o espetáculo

de todos os teus sonhos mortos perdura pelas paredes

e escorre para a calçada na lavagem matinal dos gritos

e sussurros que ficaram grudados como chiclete

nos úmidos desvãos da memória e do espanto às luzes

que nunca se apagam do velho bordel de carnes podres


9.3.2018







(Ilustração: escultura de Kris Kuski, The Deadly Sins)



27 de abr. de 2018

mineiros





o mineiro só é solidário no câncer

a frase de otto lara resende imortalizou nelson rodrigues

ou vice-versa

que ninguém sabe mesmo quem a disse

e levou ao ridículo a mineirice dos mineiros que não a entenderam



o mineiro é realmente apegado àquilo que não passa

às montanhas inamovíveis

aos céus de plangentes noites que parecem eternas

e geme ao som da viola pelas veredas e pelos rios

ao passo lento do boi no campo



rumina o mineiro o cheiro do ora-pro-nobis refogado

canta o canto do escravo escondido nas minas que não há

leva no peito o jeito do sorriso de lado

desconfiado

sentido lamento do vento em cada mangueira

caminha assim como quem não vai nunca a lugar algum

e semeia minas por todos os cantos do mundo



solidário somente no câncer de seu próprio corpo

engrandece as manhãs e os entardeceres úmidos

com doce de leite e goiabada com queijo



joga fora conversa descansada com pinga da boa

e deixa o torresmo mais duro para aquele que não tem dentes

foge do fogo da mata e conta que abraçou a onça

trapaceia no truco e confessa ao padre que gosta

da morena bonita que casou com o vaqueiro amigo

sonha o sonho do mundo e sai por aí a toda

volta todo ano dizendo que fica e sempre se vai

porque sabe que minas é montanha de bagagem



mineiro é trem bão desgovernado

beijando a mão de qualquer autoridade

sabe da vida o que a vida nunca lhe deu

e olha o mundo de cima de morros tão velhos

que o ouro duro deixou buracos e marcou seus olhos

endureceu carinhos e caminhos de mineiridade

que só o vento de veredas e as trilhas dos vales

pode trazer de volta num verso do poeta

ou num canto de carro de boi tão velho quanto o tempo



23.4.2018







(Ilustração: Rui de Paula - Um dia na roça)


26 de abr. de 2018

minas é um poço profundo









minas é um poço profundo

no fundo do qual viceja

a flor podre do catolicismo romano



em minas se pode tudo

só não se pode deixar

de ir à missa aos domingos



em minas o santo que segue na frente

da procissão da semana santa

tem mais poder do que prefeito e delegado

pode mais que juiz e governador



mineiro não tem medo de nada

só de praga de vigário e mula sem cabeça



ateu mineiro confessa e comunga

pelo menos uma vez por ano

e o inferno do mineiro não tem fogo nem ranger de dentes

tem água benta fervente para queimar os pecados do mundo



a cobra que sobe e desce ladeiras de minas

é feita de gente e de andores

os cantos e matracas da lua cheia da semana santa

fecham portas e janelas às tentativas do capeta

e todo mineiro que se preza

tem que rezar nas contas do rosário



minas é palavra católica romana apostólica

mesmo que tudo seja só fingimento



23.4.2018








(Ilustração: Ouro Preto, cerca de 1885 - Pintura: José do Rosário)

25 de abr. de 2018

lua negra









tempos de lua negra



tingem-se as águas do rio

afivelam-se pernas e braços

morcegos negros em galhos secos

movimentam-se ao vendaval

corpos anônimos e negros

negros como a noite de lua negra

que não se procure justiça

o clarão é raio que pune

quem chora nas choças negras

a miséria do esgoto que escorre



tempos de lua negra



assim a vida se perde em becos

o braço que se ergue não clama

o braço que bate não declama

a sujeira está no peito de bronze

e a lua negra não espelha a lágrima

são tempos de ratos negros

e o vento que sopra vem com o raio

cai a chuva e ninguém se molha

porque a lua não reflete o olhar



tempos de lua negra



noites que se prolongam no vento

encapelam-se os mares e nada

nada vem ao encontro da ferida

o sangue escorre escada abaixo

a dignidade sob escombros

e o grito que não sai fere a noite

o passo que vem passa marchando

deixa no pó negro a marca do sangue

levanta o escudo o guerreiro e berra

não há quem lhe ouça o lamento

são tempos de lua negra e negros dias



tempos de lua negra




17.4.2018




(Ilustração: autor desconhecido; 
Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga - Inferno)





24 de abr. de 2018

indignação








lembro um de tantos joões desses brasis desesperados

o compositor joão bosco está lá um corpo estendido no chão

a bala que o matou veio de cá veio de lá foi do ladrão foi do polícia

está lá o cidadão sem pluma sem dor sem mais lembrança

um filho órfão a mulher que chora no túmulo e joga uma flor

os vizinhos pedem justiça o vento levanta a saia da moça

e todos comem no almoço o arroz com ovo o feijão ralo

tá lá um corpo estendido no chão a criança a bola murcha

um futuro embutido num buraco que não devia estar ali

o desespero o choro a vontade de vingança e o ovo frito

na panela que ficou no fogo vira carvão a justiça também

choro choras choramos e viramos o rosto para a rosa

o tempo vai chover não tenho emprego não tenho

cheia no sul deserto a morte fome e miséria no líbano

a guerra está lá está aqui o bandido a polícia o polícia

indignação indignação indignação indignação

indigna a nação que não se indigna com tudo isso aí

e tudo isso aí é a vida de gente escorchada de gente

que vive e sobrevive em busca de salário mínimo

e então um dia a moça alegre que teve votos

a moça alegre que dizia não que dizia o que eu

o que tu o que nós não tínhamos ainda dito

ou porque não nos ouviam ou porque não dizíamos

a voz arrochada no vermelho da manchete de jornal

então vão lá e executam a moça alegre que falava

que falava não não e não assim sofremos todos

a moça que um dia um povo deu uma pequena voz

e voz de pequena virou trovão e a voz podia até

quem sabe fazer o que eles não gostam que uma voz

faça levar um canto a todos os cantos um canto

que eu queria cantar que tu querias cantar que

nós todos um dia ainda talvez cantássemos o canto

da moça alegre foi calado por eles assim quiseram

e está lá um corpo estendido no carro não no chão

que no chão estamos todos estendidos a bala

e não foi uma bala perdida um acaso da desgraça

foram tiros na noite para matar o dia e matar

o canto e a voz desse canto para sempre não

não e não e não será o seu canto calado a bala

a voz estertora e não morre e a indignação da

indigna nação se torna digna de todas as vozes

por aqui por ali por tantos cantos que nem o canto

tão breve um dia pensou virasse hino que virasse

o canto de todos os que um dia viram ali na rua

aqueles corpos estendidos no chão sem lua

sem vela sem vento a indignação descola e sobe

a indignação da morte pensada e executada



19.3.2018

Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, neste endereço de podcast:



23 de abr. de 2018

escolhas





sempre escolho numa bifurcação o caminho errado

gauche é isso

poeta?



podia ter sido tantas coisas que não fui

podia ter sido repórter... argh! seria mais uma escolha errada

podia ter sido arquiteto... um pouco melhor

podia ter sido fotógrafo... bem melhor

correr o mundo em busca do rosto mais interessante

do ângulo incomum e do acontecimento incoercível

acabei professor e nada ganhei



podia ter sido tanto o que não fui



as mulheres da minha vida

a escolha da mulher com quem casei: se não foi errada

totalmente a escolha

foi absurdo o tempo em isso ocorreu aos meus tão poucos

vinte anos

devia ter ido num tempo de sombra para o sol de recife

fiquei em belo horizonte

uma escolha que não sei se me trouxe o que realmente queria

só me trouxe de volta a são Paulo

os filhos

não escolhi os filhos que tenho

talvez por isso e só por isso

não tenha de que me arrepender ou me queixar

mas toda vez que me vejo entre duas decisões

sempre a errada é a que escolho desesperadamente



nunca sei se faço ou desfaço e quando desfaço devia fazer

e quando devia fazer é o desfazimento a melhor opção

troncho torto gauche sem eira nem beira

na vida que levo sou a folha morta de um velho poema

visto-me quando devia despir-me

sorrio quando devia chorar

paro quando devia caminhar

e viver foi apenas o que sempre quis

hoje o vento em meu rosto não me leva a nenhum lugar

sou eu em mim mesmo a minha escolha mais infeliz



25.3.2018


(Ilustração: Alfred Henry Maurer)




22 de abr. de 2018

um perfume








na esquina da avenida paulista com a rua augusta, parei à espera do sinal de pedestres. um dia estranho, com o sol brilhando lá no jabaquara e uma névoa triste e até mesmo alguns pingos de chuva na velha avenida. distraído, olho o tempo, os grandes edifícios, a multidão que passa, que passa, que passa. os ônibus, os carros, os mendigos, quanta pobreza, eu penso, quanta pobreza invadindo a calçada dos ricos, a calçada dos poderosos e dos que trabalham para os poderosos, ganhando salários que nem sempre são os justos salários do suor. na esquina da avenida movimentada, eu, um distraído e distante senhor, sonhando sonhos de semeaduras mais felizes que esses dias que passamos, quando, sem nem sei por quê, minhas narinas se abrem e um cheiro, um perfume, leve, lépido, brisa de primavera em dia de outono, perpassa assim sem mais nem menos e esse é o seu perfume, minha amada de quarenta e cinco anos atrás, ah, como o tempo passou, célia maria de jesus, e eu hoje ainda sinto o seu perfume, a lembrança de nossos dias de um amor louco e proibido, um amor que nasceu e cresceu e desapareceu nas brumas do tempo e que renasce assim sem nem eu saber de onde nesse perfume que passou pelos meus sentidos e senti de novo o coração que batia ao te ver, célia maria, nos nossos idílios, tão jovem você, a surgir assim na minha vida e a me amar e a sumir e a de novo aparecer até que um dia você não voltou mais ou eu não estava lá mais para esperar você e nunca mais, nunca mais, o nosso corvo crocita de cima de meu ombro, nunca mais soube de você, e esse perfume vem e passa e olho em volta e não há ninguém, ninguém, só pessoas apressadas e desinteressantes, e apenas a brisa do dia estranho na avenida paulista e o vento do passado de um amor que passou mas ao mesmo tempo está grudado nas minhas narinas o seu cheiro, o seu perfume, célia, meu sonho agora de ontem, meu sonho de ontem agora, num perfume que passou por mim e se foi... 


14.4.2018


(Ilustração: foto de Fátima Alves; Lavras/MG)






21 de abr. de 2018

desertores







“a deserção é um crime punível com a morte”

contra eles a ira de todos os coronéis e de todos os generais

contra eles a fúria dos sargentos e o sadismo dos recrutas

para eles os castigos mais humilhantes

as dores mais atrozes

a morte mais lenta



os desertores trazem na alma o veneno da covardia

diz o orador inflamado à multidão ao pé da forca

e os olhos de todos fuzilam de ódio aquele que vai ser pendurado

no céu urubus antegozam o repasto fúnebre ao urro do populacho



contra todos os desertores se unem todas as fardas fedidas

o soldado de olho vazado a baioneta arregala o olho bom

o outro chuta o ar e cai esquecido que tem uma perna só

as tripas de um terceiro escapam pelo curativo mal feito

quando ele tenta rir e estrebucha de dor ao pé do cadafalso

a cabeça partida do loiro dói um pouco mais mas ele não se importa

a boca arrebentada do recruta de dezessete anos não se abre

mas seus olhos brilham o brilho da vingança estremunhada

o padre chega e sob vaias dá ao condenado a extrema-unção

e todos gritam que fujões covardes não irão ao paraíso

o padre apenas cumpre seu dever e ainda abençoa o carrasco

a corda está esticada e a multidão em silêncio espera





os desertores merecem a morte pela forca diante de todo o batalhão

e todo o batalhão espera agora ansioso que o carrasco puxe a corda



faz-se o silêncio antes da morte

cada um das centenas de soldados ali perfilados pensa

sou eu o covarde a lutar a luta que me impuseram

e há em cada rosto agora a agonia dos que não puderam fugir



no alto do cadafalso o carrasco dá um passo à frente e pega a corda

e logo ali haverá dependurado não o desertor covarde que fugiu

mas o único herói de todas as batalhas inúteis



sob a máscara preta o carrasco olha desafiadoramente a multidão

e pensa que se matassem todos os desertores que ali estão

não haveria mais batalha não haveria mais nenhuma guerra





23.3.2018




(Ilustração: Albert Jans Van der Schoor. Dutch 1640-1672 - Vanitas)


Ouça esse poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, nestes endereços:

- podcast:
 

- youtube:



20 de abr. de 2018

Cilícios









A ti me entrego em holocausto,

na chama que nasce de teu vício.

É teu corpo em transe um fausto

que compensa o meu suplício.

Não te nego e tu não me negas:

mesmo quando aperto teus cilícios,

sou eu a morrer em mil entregas. 





(Ilustração: a. não identificado)



19 de abr. de 2018

Aquecimento global








Beijo-te, beijo-te toda:

Desde a tua nuca, nua,

À ponta dos dedos dos pés,

Beijo- te, sim, beijo-te toda,

Antes que o mundo se foda.





(Betty Dodson; 1929, American)



18 de abr. de 2018

abismo








meu coração está um lusco-fusco de tarde após a tempestade

não há mais considerações a serem feitas depois da tormenta

os ventos alísios sopram apenas o suficiente para mantê-lo

nunca pensei em chegar a um estado de esperança expectante

assim como os arroios que formam lagos após cachoeiras

sei que todos os seres humanos têm paixões turbulentas

não conheço quem almejara mais do que eu a paz dos idiotas

talvez agora seja o momento de enquadrar meus sentimentos

à mediocridade de um mundo que prima pela estupidez

afogado em guerras e assassinatos sem nenhum sentido

mergulho então em mim mesmo e não encontro nada

somente a fímbria escura de um horizonte tenebroso

a prenunciar o fim de tudo e o começo do absurdo

homens e mulheres abraçados a si mesmos em fogos

cometas astuciosos a cruzar o corno da lua nova

esperam-se dias de sol que nunca mais virão

e os corações angustiados desafiam leis inutilmente

porque a esperança que o fim da tarde de tempestade

trouxera enfim se esgarçou no abismo mais profundo

que estava escondido no fundo da alma de todos os seres



28.3.2018




(Ilustração: Paula Rego)



17 de abr. de 2018

a bomba










verteu-se o esporro sobre os esporos de flores murchas 

expectante do instante de prazer e descontrole 

os músculos em fúria atribuíram a vitória ao sol 

e o brilho do cogumelo arruinou as retinas 

o gozo veio febril e tánatos eclodiu nas garras 

de um prazer que jamais antes fora fruído 

e o sal da terra em jatos de vento benzeu 

mil carcaças sobre o leito e sobre o eito 

dos amantes de todos tempos em que o coito 

sacralizava-se ao fio da espada e do punhal 

o esporro em nuvens assumiu o contorno 

do corpo em gozo a retorcer-se nos rios 

de lavas que sobem aos olhos vermelhos 

de tantas noites sem sono e sem sonhos 

pelas veredas de campos desfolhados 

o amor em estranhas contorções de volúpia 

deixou seu rastro nas entranhas do prazer 

e tudo o que era direito virou avesso 

e tudo o que era avesso desintegrou-se em gozo 

à luz da lua o campo está agora expectante 

e só o pio da coruja ao ver as baratas tontas 

acorda os amantes para um novo dia e ciclo 

ao cicio do cio de piedades e altares negros 






14.3.2018





(Ilustração: Bernard Buffet -1928-1999; 
 la traversge du Styx, l'enfer de Dante; 
the crossing of Styx, the hell of Dante)



16 de abr. de 2018

a bunda, essa intocável










já tantas vezes a cona

da dona eu comi

e não a bunda da dona

porque, minha querida,

em tantas festas na cama,

o teu em meu corpo enroscado,

tua boceta por minha língua lambida,

meu pau por tua boca chupado,

amantes por tempo sem pejo,

no entanto, sempre me negas o desejo

que em mim está sempre alerta

do fruto perfeito e redondo

que tanta cobiça a todos desperta!



se já tantas vezes a cona

da dona fodi,

por que outras tantas

não pudeste me dar

o que muitas vezes te pedi?



não sofro pela bunda intocável,

fechada com todas as pregas,

que, se isso é trauma, é superável,

mas sofro por ver que não me entregas

um tesouro encontrável sem mapa,

sem motim, sem lutas, sem trilhas

em longínquas e misteriosas ilhas,

encontrável por qualquer pirata,

um tesouro tão à vista e tão falado

que o dia em que resolvas doá-lo

que seja para o maior regalo

desse mísero amante incansável



e então, querida, receio que ao fim

desse tempo de espera que me acanha

não mais obtenhas de mim

todo o prazer de tão doce façanha



se a dona tantas vezes comi,

por que ainda me negas

esse fruto tão cobiçado?

carpe diem, solta as pregas,

que isso nunca a ninguém

algum dia já fez mal,

que bunda todos têm

mas só a tua contém

a não esperada nem desejada,

a temida placa fatal:

curvas perigosas,

estrada interditada!



3.2.2016



15 de abr. de 2018

Vida em minha boca









Sopro de leve os pelos

de teu púbis

e abro teus segredos.

Os lábios retêm teu grelo

e tu gemes baixinho.

De novo o sopro, de novo teus pelos

se arrepiam na breve aragem:

é só a vida gozando em minha boca.







(Mural da cidade de Pompeia)











14 de abr. de 2018

União









Vem, tu dizes,

meu corpo é chama.

E então somos felizes

na mesma cama. 








(Ilustração: Paul-Émile Bécat)









13 de abr. de 2018

sexta-feira 13








quero cruzar na rua

numa encruzilhada bem sinistra

com um belo gato preto

porque hoje é sexta-feira 13



quero entrar em casa

e quebrar bem quebrado um espelho

em mil pedaços de mil reflexos

porque hoje é sexta-feira 13



quero passar debaixo de uma escada

de madeira bem velha e não bater três vezes

para espantar qualquer maldição

porque hoje é sexta-feira 13



vou deixar todos os meus sapatos

virados de borco como barcos naufragados

para dar depois um bom chute no tal azar

porque hoje é sexta-feira 13



não quero trevo de quatro folhas

nem quero jogar moedas numa fonte

vou abrir dentro de casa meu guarda-chuva

porque hoje é sexta-feira 13



não acredito em pio de coruja

não tenho nada contra gatos pretos

escadas são escadas nada mais que escadas

ramo de arruda na orelha deixa só

um cheiro de arruda na orelha

e qualquer mandinga fica na cabeça de quem faz

seja hoje um domingo de festa

ou uma sexta-feira 13 de muita chuva

caiam raios ou flores

a sorte ou o azar não estão em mim

não estão em você a sorte ou o azar

nem nas coisas que nos cercam

seja hoje sexta-feira 13 o dia igual

a todos os dias de nossas vidas

sem bruxas

sem deuses

sem temores

sem mandingas

piem no mato todas as corujas

espreguicem-se felizes todos os gatos

deixem nos coelhos as suas patas

porque hoje é sexta-feira 13



13.1.2017



(Ilustração: Charles Camoin  - French Fauvist Painter, 1879-1965; La fille au chat)

12 de abr. de 2018

Último










Enquanto no banho te lavas,

Penso, louco por foder-te:

Vieste, puta, como as escravas,

Mas não é assim que quero ver-te:

Se por qualquer dinheiro me davas,

Quero, sim, ser o último a comer-te. 









(Ilustração: Peter Fendi)



11 de abr. de 2018

Tesouro









Fechado o ânus como um cofre,

há somente uma chave para abri-lo:

por isso, para entrar, o pau sofre,

faz seu dono perder um quilo

e precisa agir com toda a perícia.

Mas depois que entra – que delícia!





  (Ilustração: Loïc Dibigeon; 1934 2003)








10 de abr. de 2018

Tesão








Desce minha boca

ao teu ventre.

Louca

de desejos

abres-te à língua,

e entre mil beijos

e gemidos tu choras

doida que eu te foda

e imploras

que te coma toda. 






(Ilustração: Loïc Dubigeon; Nantes, 1934 2003)




9 de abr. de 2018

tempo de querer-te









há o tempo de querer-te:

- e beijo os teus lábios;

há o tempo de foder-te:

- e ficamos mais sábios! 






(Ilustração: Léon Courbouleix - 1887 – 1972, French: pour toi pour moi)





8 de abr. de 2018

simples, as curvas do teu corpo









são tão simples as curvas

do teu corpo

são tão diretos os caminhos

do teu corpo

são tão previsíveis os fluidos

do teu corpo

são tão comuns os anelos

do teu corpo



mesmo assim me perco em curvas

mesmo assim retomo caminhos

mesmo assim bebo os fluidos

mesmo assim procuro os anelos



porque és, amada,

mais que curvas, caminhos, fluidos e anelos

és o gozo que encontro em cada toque

cotidianamente

sem qualquer prurido, sem qualquer culpa




(Ilustração: Betty Dodson; 1929; American; glad day)





7 de abr. de 2018

Sim!










Mordo-te

o seio.

Gritas

que o gozo

já veio.







(Ilustração: Erich von Gotha; 1924; English)




6 de abr. de 2018

Pressa








Dispo-te em dois segundos

em louca ânsia de amar.

No entanto, correste mundos

e fundos, para achar

a mais linda lingerie

que - desculpe, eu não vi –

pudesse me agradar. 






(Ilustração: Erich von Gotha -(1924, English; the education of Sophie)




5 de abr. de 2018

Prazer solitário








Gosto, sim, do teu cheiro,

do teu gosto, eu gosto, sim.

Vibro com teu gozo,

anseio por teu corpo,

tua pele nua, teu olho,

tua ilogicidade no sexo,

teu prazer no inusitado,

gosto, gosto, sim, de

estar contigo, meu amor.

Mas, ah, gosto mais,

- e hás de me perdoar

por isso – meu amor,

gosto mais ainda de

pensar em tudo isso

quando tu não estás! 






(Ilustração: Betty Dodson - 1929 - American; man masturbating with porn)





4 de abr. de 2018

paixão








o arrepio

do teu seio

não é de frio

mas de receio

de que não

te morda

de que não

te foda



(Ilustração: arte erótica chinesa)



1 de abr. de 2018

Os poemas de amor









Que sejam breves

os poemas de amor.

Breves como o leve

espasmo

de teu corpo,

meu amor, na hora

do orgasmo. 






(Ilustração: Erich von Gotha)