22 de abr. de 2018

um perfume








na esquina da avenida paulista com a rua augusta, parei à espera do sinal de pedestres. um dia estranho, com o sol brilhando lá no jabaquara e uma névoa triste e até mesmo alguns pingos de chuva na velha avenida. distraído, olho o tempo, os grandes edifícios, a multidão que passa, que passa, que passa. os ônibus, os carros, os mendigos, quanta pobreza, eu penso, quanta pobreza invadindo a calçada dos ricos, a calçada dos poderosos e dos que trabalham para os poderosos, ganhando salários que nem sempre são os justos salários do suor. na esquina da avenida movimentada, eu, um distraído e distante senhor, sonhando sonhos de semeaduras mais felizes que esses dias que passamos, quando, sem nem sei por quê, minhas narinas se abrem e um cheiro, um perfume, leve, lépido, brisa de primavera em dia de outono, perpassa assim sem mais nem menos e esse é o seu perfume, minha amada de quarenta e cinco anos atrás, ah, como o tempo passou, célia maria de jesus, e eu hoje ainda sinto o seu perfume, a lembrança de nossos dias de um amor louco e proibido, um amor que nasceu e cresceu e desapareceu nas brumas do tempo e que renasce assim sem nem eu saber de onde nesse perfume que passou pelos meus sentidos e senti de novo o coração que batia ao te ver, célia maria, nos nossos idílios, tão jovem você, a surgir assim na minha vida e a me amar e a sumir e a de novo aparecer até que um dia você não voltou mais ou eu não estava lá mais para esperar você e nunca mais, nunca mais, o nosso corvo crocita de cima de meu ombro, nunca mais soube de você, e esse perfume vem e passa e olho em volta e não há ninguém, ninguém, só pessoas apressadas e desinteressantes, e apenas a brisa do dia estranho na avenida paulista e o vento do passado de um amor que passou mas ao mesmo tempo está grudado nas minhas narinas o seu cheiro, o seu perfume, célia, meu sonho agora de ontem, meu sonho de ontem agora, num perfume que passou por mim e se foi... 


14.4.2018


(Ilustração: foto de Fátima Alves; Lavras/MG)






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