24 de abr. de 2018

indignação








lembro um de tantos joões desses brasis desesperados

o compositor joão bosco está lá um corpo estendido no chão

a bala que o matou veio de cá veio de lá foi do ladrão foi do polícia

está lá o cidadão sem pluma sem dor sem mais lembrança

um filho órfão a mulher que chora no túmulo e joga uma flor

os vizinhos pedem justiça o vento levanta a saia da moça

e todos comem no almoço o arroz com ovo o feijão ralo

tá lá um corpo estendido no chão a criança a bola murcha

um futuro embutido num buraco que não devia estar ali

o desespero o choro a vontade de vingança e o ovo frito

na panela que ficou no fogo vira carvão a justiça também

choro choras choramos e viramos o rosto para a rosa

o tempo vai chover não tenho emprego não tenho

cheia no sul deserto a morte fome e miséria no líbano

a guerra está lá está aqui o bandido a polícia o polícia

indignação indignação indignação indignação

indigna a nação que não se indigna com tudo isso aí

e tudo isso aí é a vida de gente escorchada de gente

que vive e sobrevive em busca de salário mínimo

e então um dia a moça alegre que teve votos

a moça alegre que dizia não que dizia o que eu

o que tu o que nós não tínhamos ainda dito

ou porque não nos ouviam ou porque não dizíamos

a voz arrochada no vermelho da manchete de jornal

então vão lá e executam a moça alegre que falava

que falava não não e não assim sofremos todos

a moça que um dia um povo deu uma pequena voz

e voz de pequena virou trovão e a voz podia até

quem sabe fazer o que eles não gostam que uma voz

faça levar um canto a todos os cantos um canto

que eu queria cantar que tu querias cantar que

nós todos um dia ainda talvez cantássemos o canto

da moça alegre foi calado por eles assim quiseram

e está lá um corpo estendido no carro não no chão

que no chão estamos todos estendidos a bala

e não foi uma bala perdida um acaso da desgraça

foram tiros na noite para matar o dia e matar

o canto e a voz desse canto para sempre não

não e não e não será o seu canto calado a bala

a voz estertora e não morre e a indignação da

indigna nação se torna digna de todas as vozes

por aqui por ali por tantos cantos que nem o canto

tão breve um dia pensou virasse hino que virasse

o canto de todos os que um dia viram ali na rua

aqueles corpos estendidos no chão sem lua

sem vela sem vento a indignação descola e sobe

a indignação da morte pensada e executada



19.3.2018

Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, neste endereço de podcast:



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