lembro um de tantos joões desses brasis desesperados
o compositor joão bosco está lá um corpo estendido no chão
a bala que o matou veio de cá veio de lá foi do ladrão foi do polícia
está lá o cidadão sem pluma sem dor sem mais lembrança
um filho órfão a mulher que chora no túmulo e joga uma flor
os vizinhos pedem justiça o vento levanta a saia da moça
e todos comem no almoço o arroz com ovo o feijão ralo
tá lá um corpo estendido no chão a criança a bola murcha
um futuro embutido num buraco que não devia estar ali
o desespero o choro a vontade de vingança e o ovo frito
na panela que ficou no fogo vira carvão a justiça também
choro choras choramos e viramos o rosto para a rosa
o tempo vai chover não tenho emprego não tenho
cheia no sul deserto a morte fome e miséria no líbano
a guerra está lá está aqui o bandido a polícia o polícia
indignação indignação indignação indignação
indigna a nação que não se indigna com tudo isso aí
e tudo isso aí é a vida de gente escorchada de gente
que vive e sobrevive em busca de salário mínimo
e então um dia a moça alegre que teve votos
a moça alegre que dizia não que dizia o que eu
o que tu o que nós não tínhamos ainda dito
ou porque não nos ouviam ou porque não dizíamos
a voz arrochada no vermelho da manchete de jornal
então vão lá e executam a moça alegre que falava
que falava não não e não assim sofremos todos
a moça que um dia um povo deu uma pequena voz
e voz de pequena virou trovão e a voz podia até
quem sabe fazer o que eles não gostam que uma voz
faça levar um canto a todos os cantos um canto
que eu queria cantar que tu querias cantar que
nós todos um dia ainda talvez cantássemos o canto
da moça alegre foi calado por eles assim quiseram
e está lá um corpo estendido no carro não no chão
que no chão estamos todos estendidos a bala
e não foi uma bala perdida um acaso da desgraça
foram tiros na noite para matar o dia e matar
o canto e a voz desse canto para sempre não
não e não e não será o seu canto calado a bala
a voz estertora e não morre e a indignação da
indigna nação se torna digna de todas as vozes
por aqui por ali por tantos cantos que nem o canto
tão breve um dia pensou virasse hino que virasse
o canto de todos os que um dia viram ali na rua
aqueles corpos estendidos no chão sem lua
sem vela sem vento a indignação descola e sobe
a indignação da morte pensada e executada
19.3.2018
Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, neste endereço de podcast:
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