21 de abr. de 2018

desertores







“a deserção é um crime punível com a morte”

contra eles a ira de todos os coronéis e de todos os generais

contra eles a fúria dos sargentos e o sadismo dos recrutas

para eles os castigos mais humilhantes

as dores mais atrozes

a morte mais lenta



os desertores trazem na alma o veneno da covardia

diz o orador inflamado à multidão ao pé da forca

e os olhos de todos fuzilam de ódio aquele que vai ser pendurado

no céu urubus antegozam o repasto fúnebre ao urro do populacho



contra todos os desertores se unem todas as fardas fedidas

o soldado de olho vazado a baioneta arregala o olho bom

o outro chuta o ar e cai esquecido que tem uma perna só

as tripas de um terceiro escapam pelo curativo mal feito

quando ele tenta rir e estrebucha de dor ao pé do cadafalso

a cabeça partida do loiro dói um pouco mais mas ele não se importa

a boca arrebentada do recruta de dezessete anos não se abre

mas seus olhos brilham o brilho da vingança estremunhada

o padre chega e sob vaias dá ao condenado a extrema-unção

e todos gritam que fujões covardes não irão ao paraíso

o padre apenas cumpre seu dever e ainda abençoa o carrasco

a corda está esticada e a multidão em silêncio espera





os desertores merecem a morte pela forca diante de todo o batalhão

e todo o batalhão espera agora ansioso que o carrasco puxe a corda



faz-se o silêncio antes da morte

cada um das centenas de soldados ali perfilados pensa

sou eu o covarde a lutar a luta que me impuseram

e há em cada rosto agora a agonia dos que não puderam fugir



no alto do cadafalso o carrasco dá um passo à frente e pega a corda

e logo ali haverá dependurado não o desertor covarde que fugiu

mas o único herói de todas as batalhas inúteis



sob a máscara preta o carrasco olha desafiadoramente a multidão

e pensa que se matassem todos os desertores que ali estão

não haveria mais batalha não haveria mais nenhuma guerra





23.3.2018




(Ilustração: Albert Jans Van der Schoor. Dutch 1640-1672 - Vanitas)


Ouça esse poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, nestes endereços:

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