28 de abr. de 2018

no bordel








às luzes do bordel a carne velha ganha uma nova data de validade

bocas enfaradas saciam o gosto milenar do predador pela vítima putrefata

os ratos passeiam pela orquestra que muge tangos improváveis

há nas paredes papéis cobertos de musgos e flores abissais

o desejo arrepia a carapaça da cabeça de crocodilos e dinossauros

pensam-se penas penadas em pelagens de ornitorrincos

num teatro de sombras e anseios jamais concretizados

a carne disposta em ganchos de dentes podres balança ao som

do piano quebrado num canto redondo do espelho de vidros coloridos

o vento de ventiladores inexistentes ferve os miolos e aquece

corações partidos e emendados pelos eflúvios de alcaloides

corre o ópio em veias e velhos horizontes que se desdobram

em cantos oníricos de prazeres que se frustram a cada mordida

nos ossos que restam sobre as mesas podres que se partem

em triângulos amorosos desviados de suas origens sujas

as luzes do bordel não se apagam jamais e o espetáculo

de todos os teus sonhos mortos perdura pelas paredes

e escorre para a calçada na lavagem matinal dos gritos

e sussurros que ficaram grudados como chiclete

nos úmidos desvãos da memória e do espanto às luzes

que nunca se apagam do velho bordel de carnes podres


9.3.2018







(Ilustração: escultura de Kris Kuski, The Deadly Sins)



Nenhum comentário:

Postar um comentário