Do alto de seus longos seis anos, decreta solenemente o Lucas, após visita ao zoológico, sem ter visto um só veado. Estão extintos os veados, e a gargalhada que acompanha sua convicção enche de alegria a tarde de início de primavera. Os veados estão extintos e a vida parece, neste momento, um pequeno oásis de risos e piadas, de beijos e carinhos que não extinguem o amor, pelo contrário, alimenta-o, chama a esperança para mais perto de nós, apesar da extinção compulsória dos veados.
Nossa imaginação voa alto e pensamos, pensamos que, apesar de toda a convicção do garoto divertido que nos enche a vida de chistes e brincadeiras, os veados na verdade mais verdadeira não estão, felizmente, extintos. Estão, sim, mais vivos do que nunca. Sentam-se conosco à mesa e riem de nossas convicções também infantis como a do Lucas, e nós rimos de seus chistes e seus trejeitos, alegres e felizes como rimos da seriedade do neto travesso. São eles, os veados, hoje, nossos chefes e nossos subordinados, sem que haja nenhum estranhamento de qualquer uma das partes. Vestem-se com roupas sérias, paletó e gravata, e nós rimos deles porque eles se acham engraçados assim vestidos, e não há nenhum reparo a que o façam. Ou usam roupas extravagantes e coloridas, saltos altos e unhas pintadas, e olhamos seriamente para eles, para ver se não há nada fora de lugar e se tudo está nos conformes, porque assim deve ser. Festejam suas fraquezas em grandes paradas, para mostrar que estão cada vez mais fortes e nós os aplaudimos mesmo quando não há motivo para aplausos, apenas por cortesia, assim como eles fazem com nossas perturbações e incentivam nossas caminhadas pelas ruas pedregosas do respeito mútuo. Candidatam-se a cargos eletivos e nós os criticamos por suas posições políticas, quando não concordamos com suas ideias e eles, os veados, que não, de forma alguma, não estão extintos, devolvem o nosso desdém com seus olhares oblíquos e tudo acaba de certa forma muito bem. E os veados – sejam eles sérios homens de negócios ou artistas de cinema, sejam eles lindas mulheres a desfilar em passarelas ou a receber chefes de estado em gabinetes vetustos, sejam eles ou elas, enfim – deixaram de frequentar nosso imaginário para frequentarem nossas vidas como o Lucas, que diz que eles estão extintos, provocando gargalhadas que preenchem a tarde de primavera...
Mas, esperem... acho que não entendi nada! Não é bem isso o que o Lucas... E também não é exatamente esse o mundo em que... Acho que delirei um pouco. Um pouco? Hélas!
25.9.2018
(Ilustração: foto de Maria Augusta Pinto)
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