não sei qual o sentido da vida
não sei se tem a vida algum objetivo
sei apenas que ela corre em minhas veias
e faz-me pensar um pouco porque nasci
com esse maldito dom de pensar e de sonhar
olho a vida ao meu redor e vejo animais e plantas
também eles vivos e pulsantes seres sobre os quais
nada sabemos de seus pensamentos e de seus sonhos
sei que as plantas vivem e morrem e não têm cérebro
nem por isso são menos vivas que eu mesmo
sei que animais vivem e lutam por viver e dizem
que é apenas por instinto mas quando olho bem
nos olhos de um gato ou de um pássaro eu sei
que ele também me olha e pensa na estranheza
do meu olhar e fico sem saber se a vida que brilha
nessas pupilas tenha o mesmo encanto e desencanto
da vida que palpita nas células de meu corpo
ou nas sinapses de meu cérebro às vezes tão
estranho quanto a grama que nasce entre as pedras
no meio do caminho de porcos e javalis
sonho e penso ou penso porque sonho não sei
sei apenas que esta vida que carrego é fardo
às vezes cruel e sem sentido quando sofro
e sei que esta vida que carrego é prazer
e fuga de orgasmos e beijos de arrebóis
e que tudo por que se passa passa como o lento
fio de água que corre da montanha para o mar
e a vida que estremece nas entranhas de deuses
que não existem é a mesma vida que desmorona
em cataclismos e guerras e loucuras
a mesma vida que se esvai na sola do sapato
que pisa um formigueiro a mesma vida
e tudo é tão breve e tudo é tão lento
quanto um cometa que cruza o espaço
ou a passada do caracol na areia do deserto
o pássaro que voa ou a cascavel que rasteja
o vento que arranca as árvores e a chuva
que alaga as várzeas e cobre as cidades
a vida teimosamente continua e eu teimosamente
continuo a escrever os versos que nunca
serão lidos e isso pouco importa para mim
porque a vida me obriga a ser o que sou
e contra a vida só se pode conceber a morte
e se toda vida pressupõe morte que haja
entre o primeiro vagido e o último suspiro
um largo e lento verso de poucos lamentos
para que em poesia ainda que tosca e fria
se realize como pétala ou como espinho
mas se concretize assim como as nuvens
se transformam em chuva e o cheiro da terra
possa entrar por nossas narinas e avivar
o processo que torna a vida que vivemos
o único e real dom que temos como seres
30.8.2018
(Ilustração: Nicoletta Tomas Caravia)
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