28 de set. de 2018

réprobo







“Eu não tenho o sentimento do passado, nem o do futuro, 

e o presente não me parece mais do que veneno”. 

Emil Cioran 




réprobo resoluto percorro as longas ruas de outrora

o vento tosco de morros mal esculpidos molda os meus passos

subo e desço ladeiras inúteis povoadas de fantasmas trêfegos

o lenço no bolso do paletó apenas marca uma infâmia

já que meus pés estão descalços e meu ser estranha a mim mesmo

nada sinto ao ver que sou eu a caminhar pelas pedras em ruínas

menino quase homem sem sonhos nem esperanças

o futuro apenas uma bandeira rota tremulando ao vento

e o vento roendo o fruto podre caído da árvore centenária

provo apenas o rescaldo de incêndios que não provoquei

mas que gostaria que queimassem não apenas velhos casarões

mas também minha alma torpe que lamenta a desesperança

enquanto caminha no passado sem que busque o futuro

sou agora o refém de chamas não acendidas na noite longa

e o veneno da vida corrói por dentro o meu coração infame

continuo o réprobo de antes sem o passo do caminheiro

num momento sou eu e no seguinte sou apenas o outro

misturados ambos em busca de algo que nunca será encontrado






25.9.2018


(Ilustração: Olga Abramova)




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