“Eu não tenho o sentimento do passado, nem o do futuro,
e o presente não me parece mais do que veneno”.
Emil Cioran
réprobo resoluto percorro as longas ruas de outrora
o vento tosco de morros mal esculpidos molda os meus passos
subo e desço ladeiras inúteis povoadas de fantasmas trêfegos
o lenço no bolso do paletó apenas marca uma infâmia
já que meus pés estão descalços e meu ser estranha a mim mesmo
nada sinto ao ver que sou eu a caminhar pelas pedras em ruínas
menino quase homem sem sonhos nem esperanças
o futuro apenas uma bandeira rota tremulando ao vento
e o vento roendo o fruto podre caído da árvore centenária
provo apenas o rescaldo de incêndios que não provoquei
mas que gostaria que queimassem não apenas velhos casarões
mas também minha alma torpe que lamenta a desesperança
enquanto caminha no passado sem que busque o futuro
sou agora o refém de chamas não acendidas na noite longa
e o veneno da vida corrói por dentro o meu coração infame
continuo o réprobo de antes sem o passo do caminheiro
num momento sou eu e no seguinte sou apenas o outro
misturados ambos em busca de algo que nunca será encontrado
25.9.2018
(Ilustração: Olga Abramova)
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