que venha a primavera a torcer as raízes em águas profundas
a fazer brotar riachos de esperança na terra grelhada e expectante
que venham os dias de sol e chuva e os dias de esperança
que sejam benvindas as palavras que ainda não foram ditas
e os ventos amainados sustentem no ar os beija-flores
que venha a primavera a tirar da garganta o canto enfim
o canto de novo na voz do povo que se iluminou
que a primavera não deixe que o esterco podre
engane olfatos com flores que não têm mais perfume
e os olhos brilhem na corola de rosas ainda mais vermelhas
e a bandeira tremule ao bater das asas dos bem-te-vis
a bandeira amarela agora tingida de cores vivas da glória
e a dança do povo acompanhe o batuque do povo negro
e a dança do povo requebre ao batuque do povo índio
e a dança do povo alucine aos sons roucos do rock’and roll
e o samba e o tango e o xaxado e a valsa e todos os sons
sejam ouvidos pelas campinas e pelas florestas e pelas montanhas
e o eco da paz se transforme no ronco das máquinas
num grito de liberdade que desperta e não mais rumina
o que passou pois passou para sempre enterrado em fossas negras
onde ninguém mais ouse colocar sequer uma flor ou uma lápide
e o povo cante de novo a esperança de uma nova e definitiva primavera
13.9.2018
(Ilustração: Fernando Botero)
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