17 de set. de 2018

que venha a primavera





que venha a primavera a torcer as raízes em águas profundas

a fazer brotar riachos de esperança na terra grelhada e expectante

que venham os dias de sol e chuva e os dias de esperança

que sejam benvindas as palavras que ainda não foram ditas

e os ventos amainados sustentem no ar os beija-flores

que venha a primavera a tirar da garganta o canto enfim

o canto de novo na voz do povo que se iluminou

que a primavera não deixe que o esterco podre

engane olfatos com flores que não têm mais perfume

e os olhos brilhem na corola de rosas ainda mais vermelhas

e a bandeira tremule ao bater das asas dos bem-te-vis

a bandeira amarela agora tingida de cores vivas da glória

e a dança do povo acompanhe o batuque do povo negro

e a dança do povo requebre ao batuque do povo índio

e a dança do povo alucine aos sons roucos do rock’and roll

e o samba e o tango e o xaxado e a valsa e todos os sons

sejam ouvidos pelas campinas e pelas florestas e pelas montanhas

e o eco da paz se transforme no ronco das máquinas

num grito de liberdade que desperta e não mais rumina

o que passou pois passou para sempre enterrado em fossas negras

onde ninguém mais ouse colocar sequer uma flor ou uma lápide

e o povo cante de novo a esperança de uma nova e definitiva primavera




13.9.2018


(Ilustração: Fernando Botero)








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