19 de set. de 2018

o abismo que me contempla







"Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro.

 E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você."

(Nietzsche)

 



tenho olhado tantas vezes para o abismo

que já nem percebo que ele me olha também

ou que talvez já nem me olhe porquanto

sou eu o próprio abismo de mim mesmo

e se me olho e vejo o abismo é porque

não sei mais se sou eu que me olho

ou se é ele mesmo - o abismo - a me olhar

de forma não menos surpreendente



sei apenas que dentro de mim mora

um monstro que não mitiga minhas dores

não paga as minhas contas nem desconta

a desdita de viver apenas e não mais sonhar



que esse monstro – que sou eu mesmo –

exaure dos meus abismos a coragem

suga os ventos de vida que ainda sopram

e afaga a memória não de um mas de todos

os demais monstros que ainda habitam

no interior de meu ser em revolução



sou eu um vulcão aparentemente extinto

que ruge e não explode porque o abismo

- também ele um vulcão sem fogo e lavas -

destrói cada esperança que a mente expele

para estrelas que brilham distantes

distantes demais para se alcançarem

sem que o abismo que em mim habita

apague com fogo o fogo de ainda viver



17.9.2018

18.4.2024



(Ilustração: Caspar David Friedrich) 




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