11 de nov. de 2018

canção do silêncio





estou só absolutamente só não há quem beba comigo

uma cerveja não há quem gargalhe comigo por uma

piada suja não quem possa compartir comigo uma confidência

ou um amor desastrado não há quem possa contar e gozar

a última conquista da mais bela fêmea ainda que saibam todos

que é tudo bazófia de macho bêbado em botequim de pé sujo

mas que ao sentido tribal de amigos e parceiros

de copo e de pranto isso não tem a menor importância

não há amigos nem parceiros ao redor da mesa não há

estou absolutamente só comigo mesmo e nem estou

ainda que solitário sentado num banco de balcão de bar

porque estou só no meu cubículo de doze metros quadrados

a beber a cachaça infame do copo único que parece veneno

sou apenas nesta noite fria de primavera [em que até

mesmo a primavera ronda com o frio a minha janela]

o partícipe anônimo da maior tribo de toda a humanidade

sou eu mais aquele que agasalha no peito [e é a única coisa que

me anima] a dor de cantar mais uma vez a canção do silêncio

a canção que não tem voz nem eco nem palavras

os versos desnecessários porque essa tribo que me acolhe

[não sei por que me veio a ideia de acolhimento quando sei que

os braços de cada um são trapos pendentes ao longo do corpo

e os corpos espalham-se por uma vasta extensão que cobre

talvez toda a terra e muito mais] essa tribo imensa de

imensa e triste existência a tribo dos corações solitários





6.11.2018

  
(Ilustração: Edvard Munch -night in St Cloud-1890)




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