20 de nov. de 2018

desarmamento geral





desarmem-se as forças armadas

que o lírio no brejo não precisa de esterco de corpos humanos

para florescer



desarmem-se todos os cidadãos

que o vento da montanha não precisa de suspiros agônicos

para assobiar



desarmem-se das palavras os pastores

que pregam cristos em cruzes de beira de estrada

para colher seu sangue e beber seu suor



desarme-se do papa a mitra de ferro que condena

o escravo da palavra a continuar sua trilha infame



desarme-se do togado a balança que pende para o lado

que lhe paga mais em sangue e drogas sintéticas de baladas

movidas a dólares e sexo nas noitadas de verão intenso



desarme-se do polícia o cassetete que fura os olhos

dos mendigos que dormem assustados embaixo de viadutos



desarme-se do cidadão dito comum o ódio no olho

que dá o chicote ao seu algoz como um presente de natal



desarmem-se todas as crianças da possibilidade de mestres

que desafiam o horror no circo embalado em papel de bala

a oferecer hóstias consagradas nos porões do terceiro reich



desarme-se a vida que prescreve o cuspe na cara

desarme-se o desencanto dos que nada têm a perder

desarme-se a esperança do pobre que come o resto

que cai do banquete de cabeças cortadas de mesas fartas

desarme-se o verso enfim que balança o tronco podre

de onde caem as folhas mortas da nossa liberdade







16.10.2018

(Ilustração: Francisco de Goya - El Tres de Mayo)


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no seguinte link de podcast:





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