desarmem-se as forças armadas
que o lírio no brejo não precisa de esterco de corpos humanos
para florescer
desarmem-se todos os cidadãos
que o vento da montanha não precisa de suspiros agônicos
para assobiar
desarmem-se das palavras os pastores
que pregam cristos em cruzes de beira de estrada
para colher seu sangue e beber seu suor
desarme-se do papa a mitra de ferro que condena
o escravo da palavra a continuar sua trilha infame
desarme-se do togado a balança que pende para o lado
que lhe paga mais em sangue e drogas sintéticas de baladas
movidas a dólares e sexo nas noitadas de verão intenso
desarme-se do polícia o cassetete que fura os olhos
dos mendigos que dormem assustados embaixo de viadutos
desarme-se do cidadão dito comum o ódio no olho
que dá o chicote ao seu algoz como um presente de natal
desarmem-se todas as crianças da possibilidade de mestres
que desafiam o horror no circo embalado em papel de bala
a oferecer hóstias consagradas nos porões do terceiro reich
desarme-se a vida que prescreve o cuspe na cara
desarme-se o desencanto dos que nada têm a perder
desarme-se a esperança do pobre que come o resto
que cai do banquete de cabeças cortadas de mesas fartas
desarme-se o verso enfim que balança o tronco podre
de onde caem as folhas mortas da nossa liberdade
16.10.2018
(Ilustração: Francisco de Goya - El Tres de Mayo)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no seguinte link de podcast:
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