na tarde morna o quarto escuro o leito tem lençóis amarfanhados
toco de leve os teus seios e tu me sorris e a vida parece nos trilhos
não há nenhuma ameaça iminente em nosso tugúrio de amor
e só os gemidos que damos em nossos gozos enchem o ar viciado
do quarto fechado trancado e escurecido onde apenas bruxuleia
a luz dos teus olhos quando mais uma vez beijo tua boca ávida
e um suave perfume que não é bem um perfume mas o cheiro
de nossos corpos e de nossos fluidos na ânsia do embate amoroso
chega até minhas narinas e o ronronar do ar condicionado acende
mais uma vez o nosso desejo e a cama estranha e redonda é pequena
para os estranhamentos de nossos corpos refletidos nos espelhos
e para o tempo que temos ali a cada gozo e cada gemido e depois
estendidos ambos e extenuados eu ainda tenho a lucidez de contemplar
o teu corpo o teu sexo as tuas pernas esguias e tua bunda crepuscular
há montanhas e vales e isso é apenas uma metáfora idiota que me vem
quando penso que nossos sexos nasceram em épocas tão distintas
e o verbo que arrebenta minhas entranhas na extrema cavalgada
nunca trará a mesma sintaxe de tuas paixões perdidas em outras camas
em outros corpos e outros gozos e isso minha amada não tem qualquer
importância no que sentimos e no que pintamos de quadros eróticos
nas nossas festas de interiores muito mais intensas que todo o passado
somos eu e tu os amantes de primeira hora apenas os amantes que
se conheceram há pouco num baile de debutantes e que se debruçam
às margens ainda não pisadas de desejos desenhados em cavernas
no mais profundo dos vales onde a água mal rumoreja para formar
os rios que inundarão lagos e oceanos e nós somos apenas duas gotas
recém caídas no imenso rio a explorar a corredeira e as cachoeiras
caminhando juntos num momento extremado o leito arenoso do rio
das nossas vidas ainda tão próximas da fonte que os risos e gozos são
nesse quarto escuro de um hotel no meio da cidade no meio da tarde
o concerto de verão de uma orquestra que toca uma só música repetida
à exaustão em nossos ouvidos que apenas têm como diapasão o canto
das sereias a nos levar para o fundo do oceano de onde nunca sairemos
5.10.2018
(Ilustração: Nicoletta Tomas Caravia)
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