4 de abr. de 2020

houve um tempo








houve um tempo

houve uma praça

houve uma sombra na janela

um relógio antigo a bater as horas

passos nervosos sobre as tábuas longas

porque longas eram as horas da noite

os olhos acesos em longa espera

houve um tempo de beijos mortos

folhas secas pisadas como estrelas secas

flores murchas nos cantos de muro

as trevas da lua nova e dos sonhos inúteis

houve um tempo de sons antigos

e as noites frias refletiam desejos insanos

o pejo e a dor nos pés descalços

pelas ruas mortas povoadas de vultos

de chapéus ao vento e capas longas

e na praça os beijos de angústia

casais estranhos a dançar a valsa dos ventos

nesse tempo estranho de desencantos

um buraco imenso abria o abismo

de uma saudade

nunca mais desapegada de minha sombra





28.11.2019 

(Ilustração: Marc Chagall)


(Você pode ouvir este poema, na voz do autor, no podcast: 

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