passeia o meu medo pelas ruas frias
nas tortas madrugadas de lua nova
quando meus passos tu conduzias
o olho atento em busca de prova
passeia levando pelas mãos geladas
anseios de fantasmas e almas penadas
no canto de muros e nos altos cimos
de árvores curvadas à chuva e ao vento
escorregam-se meus passos nos limos
das pedras por onde caminho e tento
ver nas trevas o teu medo no meu
assim passeamos ambos pelo breu
de muitas noites agora mais mortas
que a curva sinistra das ruas tortas
tu meu amigo e parceiro de medos
arrepias-te da sombra e dos vultos
transformas teu susto em cultos
não há mais que nossos segredos
agora para sempre na noite ocultos
e emparedados como os fantasmas
que saem de nós como miasmas
só o teu medo e os nossos desejos
cabem agora nos passos tortos
somos nós os nossos ensejos
eu e tu - tu e eu - ambos mortos
8.4.2020
(Ilustração: Eric Lacombe - dark abstract portraits)
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