para luiz carlos lins,
de quem compreendo o luto
você partiu
apenas isso – você partiu
e essas duas palavrinhas abriram em meu peito o abismo
talvez nem seja mesmo um abismo talvez
um buraco negro podia eu dizer se contemplasse as estrelas
mas as estrelas se apagaram quando você partiu
então ficou o vazio que eu chamo de abismo
podia dizer que sinto saudade de você
mas saudade é palavra que rola há tanto tempo
que suas arestas se arredondaram
e o espinho que está em meu peito sangra todo dia
espinho no abismo talvez ou talvez abismo de espinhos
brinco com as palavras envergonhado por brincar
a ausência – a sua ausência – não brinca
apenas fica aqui preenchendo o vazio
e como uma ausência é algo que não há mais
o vazio continua um vazio cheio de ausência
se choro – o sofrimento amaina enquanto choro
se penso – o sofrimento se distrai enquanto penso
se trabalho – o sofrimento enraíza na azáfama e fica lá
você continua presente no vazio dessa ausência
todos – todos os dias
todas – todas as horas
todos – todos os minutos
todos – todos os segundos
mesmo quando não estou pensando em você
você está doendo em mim
mesmo quando olho para o lado
é sua sombra que vislumbro passando e sorrindo
o altar de meu tempo e de meu templo com você
tem tantos ex-votos de nossos momentos
que o deus inexistente de minha descrença
passa o dia varrendo lembranças – inutilmente
a palavra que bate no fundo da minha mente
vem do seu canto de abismo que não se cala
pousada em meu ombro e em meus umbrais
e não se calará jamais – nunca mais
never more
22.3.2020
(Ilustração: Paul Richmond - Camouflage)
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