20 de abr. de 2020

luto







para luiz carlos lins, 

de quem compreendo o luto 



você partiu

apenas isso – você partiu

e essas duas palavrinhas abriram em meu peito o abismo

talvez nem seja mesmo um abismo talvez

um buraco negro podia eu dizer se contemplasse as estrelas

mas as estrelas se apagaram quando você partiu

então ficou o vazio que eu chamo de abismo

podia dizer que sinto saudade de você

mas saudade é palavra que rola há tanto tempo

que suas arestas se arredondaram

e o espinho que está em meu peito sangra todo dia

espinho no abismo talvez ou talvez abismo de espinhos

brinco com as palavras envergonhado por brincar

a ausência – a sua ausência – não brinca

apenas fica aqui preenchendo o vazio

e como uma ausência é algo que não há mais

o vazio continua um vazio cheio de ausência

se choro – o sofrimento amaina enquanto choro

se penso – o sofrimento se distrai enquanto penso

se trabalho – o sofrimento enraíza na azáfama e fica lá

você continua presente no vazio dessa ausência

todos – todos os dias

todas – todas as horas

todos – todos os minutos

todos – todos os segundos

mesmo quando não estou pensando em você

você está doendo em mim

mesmo quando olho para o lado

é sua sombra que vislumbro passando e sorrindo

o altar de meu tempo e de meu templo com você

tem tantos ex-votos de nossos momentos

que o deus inexistente de minha descrença

passa o dia varrendo lembranças – inutilmente

a palavra que bate no fundo da minha mente

vem do seu canto de abismo que não se cala

pousada em meu ombro e em meus umbrais

e não se calará jamais – nunca mais

never more



22.3.2020 

 (Ilustração: Paul Richmond - Camouflage)




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