3 de mai. de 2010

POEMAS DO MUNDO: lugares... caminhos... 12



Se mergulho em sóis,
transporto o belo;
se crio arrebóis
num louco cogumelo,
faço do verso
um lento massacre;
no campo disperso
o cheiro mais acre
do meu próprio sonho;
se levanto da face o véu,
em que cada letra que ponho
entre a terra e o céu,
vejo-me poeta e louco,
a sofrer dores infindas;
morro cada vez um pouco
em campo de aves coloridas,
fincadas em ser as raízes
de dores as mais sofridas,
os tempos de dias felizes
morrem lentos, lentamente;
da vida pouca que resta
sinto-me cada vez mais temente;
do fogo que arde em mim,
dos pássaros de asas quebradas,
dos santos com cara de querubim,
do próprio deus de todas as desgraças
ouço pedidos de favores como às prostitutas;
o fogo que queima todas as sarças,
a espada de todas as lutas
e o delírio de tardes de outono
trazem-me tormentos e alegrias,
fazem-me perder de vez o sono
num sonho de noites mais frias;
e enquanto surge no céu de jade,
a cavalgar o dorso da lua,
a deusa-mãe de minha saudade,
vejo ao meu lado, toda nua,
a mulher de negro vestido,
trazida pelo vento norte,
a abrir no meu peito a ferida
da minha lenta agonia e morte.


15.4.92


(Ilustração: foto de YuriB.)

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