1 de dez. de 2016

O PREÇO DA POESIA




(Lavras; praça Dr. Jorge - c. 1960)


Costumo pensar comigo mesmo que jamais ganharei um só tostão furado com a minha poesia. Não que eu ache que não tenham algum valor os meus versos. Para mim, têm e muito valor. Descrevem a minha vida, descerram o que eu penso, desvelam meus sentimentos. Então, têm algum valor. Para os outros, talvez não valham nada ou muito pouco. Isso, porém pouco importa.

Quando penso que jamais ganharei algo com meus versos é porque me lembro de um episódio ocorrido quando escrevi o meu primeiro poema. Tinha quinze anos. E minha relação com meu irmão doze anos mais velho que eu não era, como nunca foi, das melhores. Porque eu estudava, porque eu era meio nerd (uma palavra ainda não existente no nosso vocabulário), ou seja, eu era diferente do que se podia esperar de um moleque pobre, muito pobre, naquele tempo quando minha mãe lutava desesperadamente para pagar meus estudos; porque eu lia muito e pretendia continuar estudando, mesmo com todas as dificuldades; porque talvez minha mãe me “mimasse”, mesmo sem recursos, por eu ser o caçula; enfim, porque a vida dele, assombrada pelo alcoolismo e por dificuldades financeiras – já casado e com filhos – não devesse ser das melhores, eu só sei que ele, o meu irmão mais velho, sempre que tinha alguma oportunidade, gostava de me provocar, de me dizer coisas desagradáveis, de me colocar para baixo. Nem sei se minha mãe sabia dessas suas artimanhas.

Mas vamos ao caso. Nessa época, morava ele em numa cidade histórica, não muito longe de Lavras, minha terra, mas que, para mim, era um certo alívio, pois não tinha a constância de sua presença a me azucrinar. Isso amenizava um pouco o azedume de nossa relação, já que a distância fazia-me esquecer que ele fazia questão de me olhar torto e de me dizer o que eu não gostava de ouvir. E então, numa de suas visitas, logo depois de haver perpetrado o tal poema, o primeiro, um soneto, ele veio nos visitar. Não sei se para tentar uma aproximação ou por qualquer outra razão, acabei lhe mostrando o poema. Com receio, claro, de sua crítica. Mas mostrei. E para minha surpresa, ele até elogiou. Disse que ia levar para a cidade onde morava e conseguiria até mesmo publicá-lo no jornal de lá, que seria de um amigo dele.

E de fato, algum tempo depois, recebi o tal jornal com o meu poema. Claro que fiquei extremamente feliz. Não consigo me lembrar do meu orgulho de ler um poema de minha autoria em letra impressa. O poema – vejo hoje – é só uma bobagem pretensiosa, como só poderia ser de um garoto de 15 anos, leitor de poetas parnasianos, recém-apresentado às artes das rimas e da versificação, mais vazio do que cheio de ideias, mas com uma grande vontade de escrever. Há, no soneto, além da pretensão, um excesso de reticências e uma mistura estranha de versos decassílabos e octossílabos. As rimas também são estranhas, muito mais rimas toantes que soantes, a indicar uma carpintaria canhestra que o jovem poeta de então realmente era ainda muito incipiente e insipiente. Eis o poema:



Sedução



Oh saudades... primaveras... auroras...

Noites enluaradas de amores...

Lindas flores do jardim, onde outrora,

Tu eras bela – rainha das flores...



Lindos prados... vales verdes... montanhas...

Tudo era de encantos celestes...

Paradísia ressurgida de sonhos,

Tópicos de campos agrestes...



Pintassilgos... rouxinóis policrômicos...

Sistros encantados... melódicos,

Em cascatas transbordantes... eufônicas...



Páginas da mãe natureza,

Maravilhas que eu releio em teus olhos,

Bem do coração, sem surpresa!...



Abaixo do título, lá estava, em letra de forma, o meu nome. Era a glória. O tema do soneto, ou do pretenso soneto, bem... deixa para lá... vocês ouviram: é só mesmo uma bobagem de um menino que, provavelmente, ainda usava calças curtas e andava descalço pelas ruas e matos da velha cidadezinha de Lavras, no Sul de Minas.

O que encerra essa tentativa de crônica e torna-a menos árida e um tanto pitoresca é o seu desfecho: meses depois, meu irmão me confessou que vendera o poema para o jornal e embolsara o dinheiro, dinheiro que estava precisando para comprar leite para os filhos. Enfim, eu não ganhei nada com esses meus versos e com outros versos que vim escrevendo nesta minha vida. Mas, um dia, o meu irmão mais velho, com quem vivia às turras, conseguiu transformar uns pobres versos meus em algo de útil para sua vida e para a vida de meus sobrinhos, em alguns litros de leite. Pelo menos, foi o que ele me contou.

Acho que, por isso, não pensei nunca mais em ganhar dinheiro com poesia. Hoje, publico todos, absolutamente todos os meus versos gratuitamente, num blog e neste podcast, ambos com o nome de Trapiche de Versos e Afins, para aqueles que quiserem lê-los ou ouvi-los. E, se gostarem, muito bem. Se não gostarem, bem, são de graça. Diz o ditado que a cavalo dado não se reparam os dentes. A versos gratuitos não se reparam os defeitos. E não vai nisso nenhuma arrogância, mas apenas timidez e, mais do que timidez, uma brincadeirinha boba. Se quiserem os poucos e parcos ouvintes e leitores fazer reparos, a crítica será sempre bem-vinda.



25.102016

(Você pode ouvir essa crônica, na voz do autor, neste endereço de podcast:

 

4 comentários:

  1. Grande Isaías, que belo, sincero e libertário depoimento... não chamaria de "bobagem..de um garoto de 15 anos": a semente eclodiu, regada às duras penas, latente para suportar as amarguras da vida, então o despertar da pequena muda de árvore (incipiente, mas não tão insipiente) é tão gratificante quanto a hoje frondosa e sólida, amadurecida pelas pragas, pela escassez da floresta e ainda sempre resiliente como toda poesia irreversível.
    Parabéns!
    (Nabil)

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  2. Obrigado, Nabil, são os olhos de um amigo a comentar. Mesmo assim, muito, muito obrigado. Abação. (Isaias)

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  3. Seu sincero e comovente depoimento encantou-me querido amigo poeta. E seu soneto, aos 15, revelando já o domínio da arte poética. Aprendo muito com você!

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