12 de dez. de 2016

vira-latas

(Peter Fendi - Schelechte Zeiten, 1831)





nasci vira-lata

cresci vira-lata

sou vira-lata



e essa confissão não é nem humilde nem arrogante

apenas é



nós os vira-latas da vida

ensejamos que o mundo nos veja

como o que sempre fomos e somos



mas



há vira-latas que assomam aos salões iluminados

abanam o rabo e ficam cegos com suas luzes

depois de um latido frouxo fogem com o rabo entre as penas



como um vira-lata poeta tenho um pouco de dó desse tipo de vira-latas



há vira-latas que se enroscam às pernas gordas

de banqueiros risonhos e os acompanham com a língua de fora

babando pela vida e rosnando aos estranhos



como vira-lata filósofo não tenho nem pouco de dó desses vira-latas



há vira-latas que até se deixam iludir com banhos de xampu

como totós de madames comemoram aniversários

ganham bolos e roupas elegantes e coleiras de brilhante



como vira-lata bolivariano rosno para esse tipo de vira-latas



há vira-latas que se tornam juízes médicos professores

convivem com a fina flor da chamada inteligência

seus pelos lustrosos misturam-se a eles e quase não se nota que são vira-latas



como vira-lata das ruas estranho muito esse tipo de vira-latas



há vira-latas que se sentem felizes pulando e latindo

ao lado das longas mesas de banquete

contentando-se com nacos de carne e um pouco de champanha



freudianamente desprezo um pouco esse tipo de vira-latas



há vira-latas que se projetam na política

elegem-se para altos cargos da república

e a república afaga-lhes as costas e torce-lhes os rabos



como vira-lata marxista tenho nojo desse tipo de vira-latas



e há tantos outros tipos de vira-latas por aí

cujos rabos cansados e olhos espertos

fazem a delícia da burguesia

com seus falsos narizes de palhaços

deixemo-los cantar e dançar

que o picadeiro deles precisa

para o show poder continuar



choro um pouco por todos eles

esses bobos vira-latas



porque afinal



nós os vira-latas

somos areia de praia

somos mato de jardim

somos pedra de caminhos



que o mundo nos veja

que o mundo nos proteja

e se o mundo nos enseja

sermos sempre vira-latas

enchamos de pregos as areias de todas as praias

de carrapatos os matos de todos os jardins

de arestas as pedras de todos os caminhos

e sobretudo chutemos e viremos todas as latas


30.11.2916



 (Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)



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