(Peter Fendi - Schelechte Zeiten, 1831)
nasci vira-lata
cresci vira-lata
sou vira-lata
e essa confissão não é nem humilde nem arrogante
apenas é
nós os vira-latas da vida
ensejamos que o mundo nos veja
como o que sempre fomos e somos
mas
há vira-latas que assomam aos salões iluminados
abanam o rabo e ficam cegos com suas luzes
depois de um latido frouxo fogem com o rabo entre as penas
como um vira-lata poeta tenho um pouco de dó desse tipo de vira-latas
há vira-latas que se enroscam às pernas gordas
de banqueiros risonhos e os acompanham com a língua de fora
babando pela vida e rosnando aos estranhos
como vira-lata filósofo não tenho nem pouco de dó desses vira-latas
há vira-latas que até se deixam iludir com banhos de xampu
como totós de madames comemoram aniversários
ganham bolos e roupas elegantes e coleiras de brilhante
como vira-lata bolivariano rosno para esse tipo de vira-latas
há vira-latas que se tornam juízes médicos professores
convivem com a fina flor da chamada inteligência
seus pelos lustrosos misturam-se a eles e quase não se nota que são vira-latas
como vira-lata das ruas estranho muito esse tipo de vira-latas
há vira-latas que se sentem felizes pulando e latindo
ao lado das longas mesas de banquete
contentando-se com nacos de carne e um pouco de champanha
freudianamente desprezo um pouco esse tipo de vira-latas
há vira-latas que se projetam na política
elegem-se para altos cargos da república
e a república afaga-lhes as costas e torce-lhes os rabos
como vira-lata marxista tenho nojo desse tipo de vira-latas
e há tantos outros tipos de vira-latas por aí
cujos rabos cansados e olhos espertos
fazem a delícia da burguesia
com seus falsos narizes de palhaços
deixemo-los cantar e dançar
que o picadeiro deles precisa
para o show poder continuar
choro um pouco por todos eles
esses bobos vira-latas
porque afinal
nós os vira-latas
somos areia de praia
somos mato de jardim
somos pedra de caminhos
que o mundo nos veja
que o mundo nos proteja
e se o mundo nos enseja
sermos sempre vira-latas
enchamos de pregos as areias de todas as praias
de carrapatos os matos de todos os jardins
de arestas as pedras de todos os caminhos
e sobretudo chutemos e viremos todas as latas
30.11.2916
(Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)
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