(Zdzisław Beksiński)
tenho em meu peito um cemitério
povoado de vultos que se foram
ancestrais e amigos
mestres e conhecidos
pessoas que preencheram minha vida
hoje pontuam meu peito de cruzes negras
não nego à vida o direito de celebrar
os mortos ilustres ou os mortos esquecidos
mas dentro de mim não peço nada mais
que uma lágrima diária a molhar o chão
onde pousam e repousam os meus mortos
não os quero em velas de aniversários
não os quero em vivas e urras de festinhas animadas
não os quero bonecos de homenagens ou estátuas
são meus mortos queridos e devem ficar assim
bem quietos e doloridos no fundo do meu peito
em suas tumbas negras ao lado de marcos
que lembrem cruzes negras a povoar meus sonhos
ou que tenham suas cinzas espalhadas
entre pedras e narcisos
não me preocupa a morte e sim a ausência
que cobre meus olhos e perturba meus sentidos
faz doer um pouco cada dia o meu peito
como a fonte que goteja no alto da montanha
para transformar-se em rio depois de muito correr
e são esses os rios da minha memória
e são essas as águas do meu desalento
verto-as em silêncio no meio da madrugada
como um cálice de fel e veneno que se toma
porque a vida não nos dá outra opção
tenho o meu peito povoado de vultos
como um cemitério abandonado à beira da estrada
e no entanto olho os meus companheiros todos
e a mim mesmo na trilha estreita da vida
como futuros habitantes desse mesmo cemitério
no peito de algum sobrevivente até que um dia
nenhuma outra geração exista que se lembre de nós
sic transit gloria mundi sic transit gloria sic transit sic
23.11.2016
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