revoguem-se todas as leis todos os decretos todas as portarias
revoguem-se inclusive as leis da física da química e de todas as ciências
revoguem-se as regras de construção e de destruição
revoguem-se as gramáticas e as especulações financeiras
revoguem-se bosques e rios
revogue-se a voz de todos os que vivem no fundo das minas
revoguem-se a mesa da ceia dos miseráveis e o pão ázimo do forno dos poderosos
revogue-se o brilho das estrelas e revogue-se o olhar mais atento do menino que busca o pássaro da felicidade
revogue-se o desejo que brota no cheiro de flores pisadas
pelos pés das moças que buscam o tempo perdido em romances medievais
revoguem-se todas as palavras mesmo as que ainda moram
na memória dos tempos futuros
revoguem-se os pelos pubianos e a queda dos aviões
revogue-se tudo o que disseram os deuses nos templos destruídos
revogue-se a canção que ainda não chegou à lua
revoguem-se os mares e dentro dos mares os navios naufragados
revogue-se a fome dos predadores e revogue-se o beijo
que ficou na boca da prostituta ao se despedir do último cliente
revogue-se o pio da coruja e revogue-se a disputa pelo gol mais bonito
revogue-se o diálogo da borboleta e dos crocodilos
revogue-se a pena dos pássaros e dos condenados
revogue-se o susto dos devorados e dos carrascos
que se revoguem todas as prisões e se arranquem todos os dentes de todos os desdentados do planeta
revogue-se a picada do mosquito
revogue-se o passo trêfego do bêbado
e que se marquem com cruzes negras as portas de todos os que ainda respiram
revogue-se o vento que levanta a saia da menina sem pejo
e dispam-se de inveja todos os músicos que tocam chopin nos sinos das igrejas
que se revogue para sempre o choro das crianças que ainda não provaram
o glacê do bolo de seu primeiro aniversário
revogue-se o sangue que escorre todo mês pelas pernas
das ex-futuras matrizes de todos os deserdados
e que se passem a ferro quente
a língua das serpentes e as cascas de frutas que não amarelaram
revogue-se o teu pedido de clemência
destruam-se depois de devidamente revogadas
todas as pontes que ligam as estrelas e o sorriso do lagarto
revogue-se a cor com que pintaste os teus passos
revoguem-se o esperma do impotente e a bala que se perdeu na favela
e foi encontrada depois no útero da fêmea do javali
revogue-se o homem que gosta de mulher
revogue-se a mulher que gosta de homem
revogue-se também o amor entre os que não se podem amar
revoguem-se as estruturas atômicas e todos os genes gerados em laboratórios
que se revoguem o espaço sideral e os cabos submarinos
revoguem-se os navios e as estradas que conduzem às montanhas
revogue-se o desejo entre os que se aproximam da brasa ardente
revoguem-se as disposições contrárias e a favor
e que se revoguem enfim o brilho da noite e a escuridão dos dias
28.1.2018
(Ilustração: Nicoletta Tomas Caravia_- Menos tu vientre - 2012)
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