31 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 16


Amei-te lua










Amei-te lua
nos primórdios do mundo
ao surgires nua
do mar profundo,
deusa a iluminar caminhos
de meu destino.
Amei-te em desatino,
por entre luxos e arminhos,
nas cortes plebéias
de idades distantes.
Se lutava por idéias,
nem por instantes,
de ti afastava meu sentimento.
Amei-te primeira mulher
no mágico momento
de baixar ao mar o escaler
para novo descobrimento.
Amei-te povo
ao ver de novo
nos olhos teus
o brilho feroz
de novos tempos:
sorri, então, ao algoz
ao adiar na guilhotina
por mais alguns momentos
o momento de te amar.
Amei-te escrava
em pleno mar,
enquanto empunhava
a espada para te libertar.
Amei-te deusa e princesa,
em tempos idos e perdidos.
Não vejo, pois, estranheza
em dias agora vividos,
do pouco que ainda temos,
em amar-te loucamente
por tudo quanto já vivemos.



(Ilustração: Picasso)



29 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 15


Em vão me nega o pensamento









Em vão me nega o pensamento
a ânsia de amar teus puros olhos:
cada vez mais entrega-me o sentimento
a envolver-me em mar de escolhos.

Se penso que não vou sentir o que sinto
acabo a cada dia aumentando a paixão,
sem saber se para mim eu minto
ou se demonstro a ti o meu tesão.

Em dúbio vôo de ave perdida,
minha vida se esgarça em loucos ares:
busco a rota uma vez pressentida
e encontro a morte em verdes mares.



31.12.92


(Ilustração: Picasso)

27 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 14

Capto a luz que vem de ti









Capto a luz que vem de ti
e, ao fundir-me em paz
no fundo dos olhos teus,
encontro-me a mim
como sempre quis.
Meus desejos são teus desejos
e teus anseios a minha meta,
tua alma em aura de luz tornada
inunda em azuis de mares calmos
todo o sonho que em mim transforma.
Se em ti me encontro a cada instante,
tu em mim transbordas a luz
a construir caminhos pelos quais navego,
a vislumbrar o norte ao qual me vou.
E meu ser de antigas eras em solidão envolto
torna-se do mundo o centro radiante,
não mais só, não mais triste, não mais desamado.

5.11.92



(Ilustração: Picasso)

25 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR -13

Se mato em mim










Se mato em mim
meu amor por ti,
mato-me a mim
fazendo-te sofrer.
Não quero, assim,
deixar de amar-te
embora não mais consiga
dizer que te amo.
Pois tudo que eu diga
far-te-á mais triste
e mais triste ficarei.
Tudo quanto existe,
tudo quanto eu sei
comigo convive em dor
por ter por tanto tempo
guardado esse amor
que foge agora ao vento.
Soubesses tudo o que sinto
- como sempre sabes -
verias o quanto eu minto
a esconder meu sentimento.
E sofre em mim
para poupar-te a dor
vivendo sempre assim
em duplo fervor
de amar sem querer
de querer não amar
ou de amar e sofre
e de sofrer sem amar.

27.11.92

(Ilustração: Picasso)

23 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR – 12


Navego em mim em busca do sol










Navego em mim em busca do sol
renasce a cada porto de dor
a dor de nova busca
e parto a cada apito
nas ondas em máufrago navegar
da estrela-guia sigo o rumo
sem rumo o meu sofrer
sinto-me alegre e triste
não sei o que sente em mim
barco à deriva
ao branco do sal
azul-perdido às ondas de sol
e sofro e peno e choro
dentro o peito em raios
no não saber o defeito
a fazer-me assim sem porto
a nau a meia vela
arriada dor a meio-pau
transnavega pela vida
o mal profundo de desamor
e choro e peno e sofro
a navegar em mim
a fazer de ti o meu porto
inseguro.



21.7.92


(Ilustração: Picasso)

21 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 11


Em teus olhos me prendo











Em teus olhos me prendo,
Livre coração que eu era.
Incendeiam-me teus cabelos.
Sóis de galáxias distantes,
Atraem-me teus seios de luz.
Beijo-te em sonho quando durmo,
Em pensamento estás sempre comigo.
Tudo prometes e nada tenho,
Embora te ame mais que à própria vida.



9.12.92



(Ilustração: Picasso)

19 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 10


Não tens a intangibilidade das musas românticas













Não tens a intangibilidade das musas românticas
nem a leveza etérea de nefelibatas,
mas lanças-me pedras como certeiras flechas
do brilho estanque dos olhos teus.
Em ondas de amor sob pontes partidas,
rios de águas claras afogam meus desejos.
Mas és a ilha onde ancoram
todas as saudades que provêm de ti...
Mesmo o meu amor, proibido por tênues laços,
sabe a mel dos lábios teus.
Sofres por amar-me, por amar-te eu sofro.
Vivemos vidas distintas como margens
do mesmo infinito rio chamado amor.
Dos sentimentos etéreos à realidade,
emocionam-me às lágrimas os teus encantos.
Dá sentido à vida o teu rosto pleno,
fonte oblíqua de sentimentos loucos.
Se desse desejo estranho brotam dores,
nosso amor marginal sobrevive a crises.
Ao vôo dos meus pensamentos acompanhas-me
em líquida e fluida angústia de ausência rara.
Fazes-me asa em mar de escolhos,
fazes-me lago em ondas de vento.
Sou teu porto impossível em meio à procela,
és meu paraíso em meio à loucura.
Se te perdes, padeço. Se me feres, sorrio.
Teces a teia em que te prendo,
soltas em mim a imagem perdida.
Se recupero vidas do além-passado,
vens do futuro a remoer presentes
e levas contigo a semente do porvir.
Mais além das nuvens em tardes de chuva
brilham prazeres em sons sinfônicos
na celebração do encontro tantas vezes adiado.
Musa tangível e impura, recordas em mim
vênus e ninfas de eras passadas.
És a um tempo a dor e a cura
de todos os meus esgares em leito de rosas.
Tu, só tu, imagem louca em sonhos fundida,
trarás em pranto de dor a lágrima do prazer
que aos teus pés implode o meu peito ferido.
Folgas em mim teus simples caprichos
e matas de esperança o anseio mais profundo.
Foges e vens a um tempo terrível e bela,
a passar sobre meu peito a chama da morte,
em vidas mil no gozo extremo multiplicada.
Se te lamento em versos, sorris em pranto,
se de tua alegria me alimentas, pareces-me triste
e tristes tornam-se meus alegres momentos.
Ressoam em meu peito sentimentos vários
em ondas insanas que me traduzes louca
em desejos incertos de incertos albores.
Amas-me, não o negas! Dizem-mo teus olhos!
Odeias-me, no entanto, por sentires-te amada,
sempre que em ti pousam meus mendigos olhos.
És tu a impensada estrela
a ofuscar em brilho a luz do sol longínquo.
Mesmo a esfumar-se em brasa meu peito em dor,
sopras o vento a alimentar as chamas
e afagas em bálsamo as feridas em sangue.
Vampirizas-me a alma a oferecer-me eternidades
e matas-me a cada gesto de inglória escusa.
És, ó tangível musa, em sonhos alcançável
e eu, fauno ardente de ocasos feito,
resumo em ti vidas amargas de feliz ventura.



(s/d)


(Ilustração: Picasso)


17 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 9


Escrevo para ti











Escrevo para ti
versos que não lerás
pois se os lesses verias
aberto o meu peito
a sofrer por amor.


Inútil que fujas
inútil que eu fuja
teus olhos me chamam
chama-te o meu desejo.


Persigo o teu caminho
o meu caminho persegues
dois seres distantes
unidos num só desejo.


Amo-te como louco
na loucura de amar-te
amas-me tu também
não o negam os teus olhos.


Assim nesse jogo
de encontros e desencontros
vamos sempre querida
até o dia em que me queiras.

11.6.92


(Ilustração: Picasso)





15 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 8







Quando sonho em minha mente insana










Quando sonho em minha mente insana
mil delírios de ventura e paz,
pressinto que a cada dia se desfaz
na bruma do tempo o tempo de juventude.
Se os olhos volto à marca de meus passos,
vejo apenas desesperanças
como marcas tristes de dias não vividos.
Sinais tênues que o pó dos caminhos
pouco a pouco recobre em inútil esquecimento.
Da sombra do que fui pouco resta,
pouco restará também da sombra que ainda sou.
Na busca do amor, quebraram-se os sonhos
em cristais de gelo e bruma.
Os passos que hão de vir serão apenas
os passos que marcam veredas sombrias
do ato final no palco podre da última tragédia.

16.12.92



(Ilustração: Picasso)

13 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 7


Ambíguo amor o que por mim tu sentes












Ambíguo amor o que por mim tu sentes:
foges ao vir e vens enquanto foges,
lutas contra mim e à dor da entrega
preferes da inútil batalha o calor intenso.
Com dúbios olhos e oblíquos gestos,
levas-me contigo do prazer ao inferno
e ao gozo extremo de paraísos perdidos.
Contas-me, alegre, teus saudosos momentos
para aprofundá-los em magia e dor.
Segues-me célere e chegas-me aos poucos,
abrasando em beijos o gelo partido.
Teus adeuses esperanças geram,
tuas entregas adeuses prenunciam.
És sombra em luz à luz das trevas,
és da esperança o suspiro derradeiro.
Sopras-me a vida num halo de morte,
e, como morte, em vida me convertes.
Queres-me louca e esqueces-me fácil,
fazes de mim teu escravo coroado.
Por isso existo apenas para remoer
na dor extrema o alento redivivo.
Vejo-te, assim, de todas quantas amei,
da minha difusa imagem a própria ubiquidade.



25.6.92


(Ilustração: Picasso)


11 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 6


Viajo no tempo e no espaço











Viajo no tempo e no espaço
e fico sempre num mesmo lugar:
sinto o espanto do mundo apertar,
entre seis paredes de angústia,
meu coração quase a explodir;
num canto de fresta entre duas portas,
vislumbro em luz a luz dos teus olhos;
em raios estelares mergulho
a pressentir espantos de mundos estranhos:
tão longe de ti em ti me transformo
para encontrar-te, afinal, dentro de mim;
entrego-te em fogo a paixão total
que no peito em brasa não consigo abafar;
amo-te a cada batida do meu pulso
retinindo em tambores na aorta partida:
na saudade, o terror de te perder;
no ter de ti vaga esperança,
temo poder ganhar a luz que não posso ter;
então te espero sem querer que venhas
e, se vens, aumenta em chamas a dor que sinto.

25.6.92


(Ilustração: Picasso)

9 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 5







Querida, quão tolos os versos







Querida, quão tolos os versos
que falem de amor!
Ridículas as palavras
que traduzam emoções baratas!
Mas que delícia poder dizer
o quanto te gosto,
o quanto te quero,
em versos bobos
que deixam fluir
do fundo do meu peito
traços de alegria
entre pontos negros de saudade.
Como é bom olhar em teus olhos
para buscar, por um momento que seja,
um pouco de esperança.
Ser ou não ser,
não como busca filosófica,
mas ser ou não loucos o bastante
para viver um presente
que tão bom parece ser?
Para que pensar e repensar e duvidar?
Para que sofrer agora
dores de amores que só o futuro
poderá (ou não) trazer?
Se tolos são os versos de amor,
sejamos nós loucos
para querer o queremos.
Afinal, de que vale a vida
sem tais belos momentos?

29.5.92



(Ilustração: Picasso)

7 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 4





Tão longe estás e tão próxima te sinto








Tão longe estás e tão próxima te sinto:
teu cheiro forte abrasa-me os sentidos,
teus olhos claros prometem-me abismos.
Mergulho louco em teus lábios quentes
a queimar-me em gelo a tua indiferença.
És sombra em meu peito arfante
és dor em meu cérebro de tua imagem povoada.
Estás em meu suspiro como a cor do céu,
em fogo de sóis distantes de vagas lembranças
a povoar meus sonhos de amores tardios.
Por sentir-te em mim a cada instante,
transformo paciente a saudade que sinto
em sonhos loucos de ter-te um dia.
E assim espero o eco de tua voz
a dizer-me o quanto por mim anseias,
a viver o impossível instante
em que terei do teu riso a flor.



s.d.

(Ilustração: Picasso)

5 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 3



Quando sonho em minha mente insana









Quando sonho em minha mente insana
mil delírios de ventura e paz,
pressinto que a cada dia se desfaz
na bruma do tempo o tempo de juventude.
Se os olhos volto à marca de meus passos,
vejo apenas desesperanças
como marcas tristes de dias não vividos.
Sinais tênues que o pó dos caminhos
pouco a pouco recobre em inútil esquecimento.
Da sombra do que fui pouco resta,
pouco restará também da sombra que ainda sou.
Na busca do amor, quebraram-se os sonhos
em cristais de gelo e bruma.
Os passos que hão de vir serão apenas
os passos que marcam veredas sombrias
do ato final no palco podre da última tragédia.

16.12.92


(Ilustração: Picasso)

3 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR -2



Quero ser dono de meus sonhos






Quero ser dono de meus sonhos
mas não quero controlá-los:
meus sonhos são meus apenas
e nada mais.
Se são sonhos proibidos,
não há nem pode haver
quem os proíba. Só eu
posso encobri-los no mais fundo
do meu ser.
Sonhar é navegar teus olhos,
teu cheiro rever e tocar
tão forte em minhas narinas
tão forte em meus sentidos.
Somos - eu sei - caminhos
que talvez jamais se encontrem.
Mas nem por isso
meus sonhos devam ter menos cores.
Se mergulho neles em transe,
em transe de te amar quero viver,
mesmo tendo um abismo,
um abismo cafona e tangível,
a separar nossas vidas
num trágico desfecho de tango argentino.
Quero sonhar teus lábios,
quero sonhar teu rosto,
livre a mente a pensar loucuras
ou a escrever inúteis poemas
de saudade.
Longe estás - não me verás sofrendo.
Longe, não sentirás os beijos
os carinhos
que te daria, se aqui pudesses estar.
Não quero da minha vida
o inferno da distância e do desamor.
Quero poder, pelo menos,
sonhar-me a teu lado e sorrir
sem mágoas e sem a ninguém magoar.
Como o sonho é só um sonho,
escrevo - louco - (palavra recorrente) -
sonhos que não posso viver.
Na noite a chuva não molha mais
o meu rosto que as lágrimas - invisíveis -
que por ti choro.
E imploro um fim, não ao amor - irônico -
- trágico - tragicômico - que por ti
eu sinto, mas aos momentos de saudade
que tantas vezes sinto a torcer
minhas entranhas: não queria amar-te.
Se te amo ao amor ergo em mim
o altar onde imolo o meu próprio sangue.
E torno-me romântico e trágico
e cada vez mais louco
em louco desabafo.
Mas é assim o meu sonho
é assim que consigo viver e fingir.
Mil máscaras ponho e recomponho,
em vários palcos a repetir
papéis de todos os matizes
eternamente a representar.
E no meu sonho tu sorris,
sorris talvez de tudo o que eu sinto.
Não importa: és estrela
(de dourada beleza - gostaria de dizer,
num ímpeto de poeta do século passado)
e como estrela estás
a mil anos-luz do meu esgar.
Sabes que te desejo - não só amante -
não só aventura - não só relâmpago -
mas Lua - variada e constante -
em minha noite vida ou vida noite,
a trazer paz ao conturbado coração.
Desculpa tanta besteira,
desculpa tanta verdade:
o amor é assim: vil e idiota,
como a vida.


5.1.93


(Ilustração: Picasso)

1 de jul. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 1



Apenas morrer e morrer somente










Apenas morrer e morrer somente
a ouvir do passado a voz distante
de Billie Holiday. E como supremo gozo
sentir na boca teu derradeiro beijo.

Na fantasia de momentos loucos,
o adeus à vida precede o existir
e, num instante de extrema lucidez,
poder rever o futuro que não pôde vir
é sonhar sonhos como sonharam poucos,
sem deixar para trás nenhum talvez.

Não importam instantes já vividos,
não bastam momentos de felicidade:
os anos, meses e dias tão sofridos
tronam-se noites de eterna saudade
de um futuro sonhado ao lado teu;
transforma-se tudo num doce inferno
no momento em que a vida anoiteceu,
ao murcharem todas as flores num só inverno.

Teu sabor e teu cheiro a envolver
o gosto amargo de velas maceradas,
no suspiro derradeiro de meu ser,
são toques mágicos de doces fadas
no apagar mais triste do supremo desejo,
a repetir tudo aquilo que sonhei:
apenas morrer ouvindo Billie Holiday,
ao sentir na boca o teu último beijo.

17.6.92




(Ilustração: Picasso)