(A. não identificado)
quando morre um ditador
o camponês devia poder assar
do trigo que ele colhe
o melhor pão que ele já fez em sua vida
e reparti-lo com sua família
juntamente com a garrafa do vinho mais nobre
da adega do patrão...
quando morre um ditador
o pescador devia poder devolver
ao mar o mais belo pescado
e voltar ao sabor da maré
para enrolar sua rede na praia
e dançar durante toda a noite a churrasquear um filé
com o dinheiro do patrão...
quando morre um ditador
o estudante devia poder colar
na prova todos os conhecimentos
que o mestre lhe ensinou
e jurar para o professor
que para sempre na vida se tornará de repente
o mais sábio de todos os homens
e nunca será um patrão...
quando morre um ditador
o caixa do banco devia poder esquecer
a diferença entre todos os homens
e levar para casa a féria do dia com todos os juros
que seriam do banqueiro
para pagar de uma só vez a prestação da casa
que ele deve ao patrão...
quando morre um ditador
a moça que trabalha na loja de calçados
devia poder escolher o mais belo par
com saltos bem altos e caminhar
pelas ruas como princesa
para esquecer todos os vexames com que ela calça
todo dia o pé de cada madame
e o pé roxo da mulher do patrão...
quando morre um ditador
a sambista da escola da favela devia
sair a requebrar no salão mais nobre
do palácio do governador
não como a sambista do morro de ruas tortas
mas como primeira dama de um governo novo
que se lembre do povo da favela
e não dance nunca na mesa do patrão...
quando morre um ditador
devia a dona-de-casa poder deixar no fogo
a panela de feijão até queimar
e sair para as ruas a ver vitrines
e comprar todos os sonhos
que guardou no peito durante tantos anos
que ela nem sabe mais quais são
tantos dados ao patrão...
quando morre um ditador
o jardineiro devia poder plantar
os mais belos ipês de todas as cores
e quaresmeiras e tipuanas para todos os bem-te-vis
e mangueiras e jabuticabeiras para todos os micos
e todos os pássaros da cidade que já esqueceram o que é
uma boa fruta no pé
no jardim do patrão...
quando morre um ditador...
ah! quando morre um ditador
em cada canto do mundo onde existe um sonhador
devia-se poder fazer
a festa mais encantada
o baile mais bem balançado
o churrasco mais bem passado
o bumba-meu-boi mais bem dançado
o samba mais bem requebrado
o jogo mais bem jogado
a missa mais bem rezada
o canto mais bem entoado
o riso mais bem fotografado
e o viva mais do fundo do coração
como um suspiro que afinal revele
haver ainda no mundo muito mais que uma esperança.
segunda-feira, 30 de outubro de 2000
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no seguinte endereço de podcast:
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