5 de jan. de 2009

quando morre um ditador...






(A. não identificado)








quando morre um ditador

o camponês devia poder assar

do trigo que ele colhe

o melhor pão que ele já fez em sua vida

e reparti-lo com sua família

juntamente com a garrafa do vinho mais nobre

da adega do patrão...


quando morre um ditador

o pescador devia poder devolver

ao mar o mais belo pescado

e voltar ao sabor da maré

para enrolar sua rede na praia

e dançar durante toda a noite a churrasquear um filé

com o dinheiro do patrão...


quando morre um ditador

o estudante devia poder colar

na prova todos os conhecimentos

que o mestre lhe ensinou

e jurar para o professor

que para sempre na vida se tornará de repente

o mais sábio de todos os homens

e nunca será um patrão...


quando morre um ditador

o caixa do banco devia poder esquecer

a diferença entre todos os homens

e levar para casa a féria do dia com todos os juros

que seriam do banqueiro

para pagar de uma só vez a prestação da casa

que ele deve ao patrão...


quando morre um ditador

a moça que trabalha na loja de calçados

devia poder escolher o mais belo par

com saltos bem altos e caminhar

pelas ruas como princesa

para esquecer todos os vexames com que ela calça

todo dia o pé de cada madame

e o pé roxo da mulher do patrão...


quando morre um ditador

a sambista da escola da favela devia

sair a requebrar no salão mais nobre

do palácio do governador

não como a sambista do morro de ruas tortas

mas como primeira dama de um governo novo

que se lembre do povo da favela

e não dance nunca na mesa do patrão...


quando morre um ditador

devia a dona-de-casa poder deixar no fogo

a panela de feijão até queimar

e sair para as ruas a ver vitrines

e comprar todos os sonhos

que guardou no peito durante tantos anos

que ela nem sabe mais quais são

tantos dados ao patrão...


quando morre um ditador

o jardineiro devia poder plantar

os mais belos ipês de todas as cores

e quaresmeiras e tipuanas para todos os bem-te-vis

e mangueiras e jabuticabeiras para todos os micos

e todos os pássaros da cidade que já esqueceram o que é

uma boa fruta no pé

no jardim do patrão...


quando morre um ditador...

ah! quando morre um ditador

em cada canto do mundo onde existe um sonhador

devia-se poder fazer

a festa mais encantada

o baile mais bem balançado

o churrasco mais bem passado

o bumba-meu-boi mais bem dançado

o samba mais bem requebrado

o jogo mais bem jogado

a missa mais bem rezada

o canto mais bem entoado

o riso mais bem fotografado

e o viva mais do fundo do coração

como um suspiro que afinal revele

haver ainda no mundo muito mais que uma esperança.






segunda-feira, 30 de outubro de 2000


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no seguinte endereço de podcast:

Nenhum comentário:

Postar um comentário