1 de jan. de 2009

o deus do madeiro


(Félicien Rops)





Preso ao madeiro rústico,

o deus não chora

mas também não ri.

Não pode haver mais que a sisudez

nessa hora solene.

E o deus que sofre deve manter

a tez serena, os olhos firmes

e a boca apenas entreaberta

sem espanto e sem impropérios.

A hora é esta e sob o madeiro

soldados deviam atirar-se sobre os despojos

e jogar dados e soltar palavrões.

Mas não há nada disso.

No altar barroco, apenas seu corpo em sangue

implode a vista entre ouros e pratas.

E o deus, em seu ricto de dor, empresta

à catedral um ar soturno. Seus fiéis

vivem vidas em campos e cidades,

alheios aos olhos mendigos do deus do madeiro.

Ao deus, então, só resta

o olhar vazio dentro das órbitas mal desenhadas

e o doce desencanto de nada poder fazer

pela humanidade.








3.4.2004

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