30 de mar. de 2015

no computador



(Lavras/MG - Praça Dr. Augusto Silva, tipuana)





ligo o computador e abro uma página do word

tento escrever um poema



não há tesão nenhum em meu tentar



apenas murchas palavras num computador

apenas murchos pensares em letras minúsculas



o som suave das teclas apenas persiste

o sonho que em mim não mais existe



vejo a praça, a praça imensa de minha infância

o coreto redondo, a tipuana em flor

são lugares comuns como o porto aonde chegam

navios fantasmas em pleno luar



o bater das teclas no computador

diminui pouco a pouco a minha dor

enquanto analiso se permito no poema

a rima pobre surgida por acaso



mas é nessa rima que embarco

sofrendo a esperança que ali não há

naquela praça imensa morreram um dia

a criança e o jovem que no meu sonho espreitam

não posso baixar a guarda de meus pensamentos

que lá vêm os dois a me fazer chorar



inúteis versos na memória de sonho de bits e bytes

de meu mais inútil ainda computador



o som do teclado abafa um pouco o burburinho

de uma praça distante da cidade perdida

não quero voltar ali, não quero encontrar

aqueles que espreitam atrás do caramanchão

para apontar o dedo acusador para mim

sou o covarde que matou um dia o sonho

de nunca mais pensar que seria o que sou



então que se salve o poema lá dentro

de minha memória de computador

para que eu não chore afinal

uma lágrima apenas de arrependimento

num poema que tentei um dia

escrever inutilmente num novo documento do word




são paulo, 21.3.2005


2 de mar. de 2015

Atrás da montanha



(Casper David Friedrich)



Atrás da montanha, uma planície se estende,
um plano que leva ao mar.
Nunca a vi, mas minha mente entende
que ela lá está, cortada por caminhos de areia,
nem bela, nem feia,
plena ao sol, preguiçoso deserto.
Meus olhos batem no contorno da montanha,
e sobem para o alto. Minha imaginação, não!
minha imaginação contorna o pico verde,
desce morro abaixo e percorre, assim,
o caminho tortuoso que leva ao mar.
Cresta meus pés, que não tocam o chão,
no lento e calmo caminhar,
a areia quente da planície,
da planície que me leva para o mar.
Sei que ela lá está, quando secam meus olhos
de tanto olhar, não o verde da montanha,
mas o amarelo da areia que tento imaginar.
E percorro como velho andarilho
um caminho que nunca vou caminhar,
prisioneiro que sou do lado de cá.
Só me resta pensar que essa planície,
esse deserto que leva ao mar,
guarda os passos que eu não consigo dar,
e que tem, pleno ao sol,
na minha ânsia de imaginar,
lá no meio do areal,
uma planta que ousou medrar
sem água, sem chuva, só com as lágrimas
do meu olhar.
Não sei como se chama essa planta
que nunca vou colher, eu sei.
Só não sei por que ela lá está,
bem no meio do deserto, bem no meio
do meu lento caminhar.
Sei apenas que ela lá está,
porque a sonho no meu sonhar,
porque a quero no meu caminhar.
Talvez nem mesmo exista,
na planície que leva ao mar,
coisa alguma que me leve a pensar
que realmente está lá
a planta que não vou colher.
Não importa. Basta que olhe,
com olhos de imaginar,
além da montanha, o caminho
que leva ao mar,
para que sossegue o coração
na certeza de que por esse caminho
nunca vou chegar ao mar.



27.11.2012; 8.3.2023

27 de fev. de 2015

a rainha da inglaterra



(Lucien Freud - Queen Elizabeth)






a rainha da inglaterra


reina e erra


há tanto tempo


que a vejo ao vento


bunda de fora


levando bem no cu


a grande tora


de um negro zulu


e a rainha não berra


apenas geme


e implora


pelo bem da inglaterra


e por todos os lordes


de perucas malucas


dirigindo seus fordes


pelos planaltos centrais


de áfricas e zelândias


plantando chás


colhendo cafés


por loucas reentrâncias


das nádegas reais


e a rainha rebola


rebola o rabo


e cantarola


gozando a grande tora


do negro zulu


que arrebenta seu cu













s/d

24 de fev. de 2015

Que saudade é essa?




 (Lavras/MG - desfile de 7 de Setembro de 1964)


Alguém posta um vídeo de Leny Eversong. Vou atrás de sua bela voz, nesse lugar de pesadelo e sonho que se chama Youtube. Pesadelo porque nos prende com suas garras, para novas buscas. Sonho porque encontramos lá as emoções provindas de ecos do passado. Leny me leva à Lana, Lana Bittencourt, e ouço com emoção Little Darling. E então olho as sugestões da infernal máquina de lembrar: Wilma Bentivegna. A canção, há muito esquecida, pula da tela do computador para os meus ouvidos, The Green Leaves of Summer. As folhas verdes de verão, na voz da Wilma. E eu choro.

Que saudade é essa? Uma canção tão distante, um tempo de ser criança, quase jovem, ouvindo pelas ondas de um miserável rádio Phillips, presente de meu irmão mais velho, a canção do filme The Alamo, a canção perdida que ressuscita esse menino de pés no chão, na pobreza de uma cidade perdida nas montanhas do Sul de Minas, o menino que julgava ter deixado lá, naqueles idos dos anos cinquenta, o menino está aqui, agora, no meu peito, pedindo para sair, para dizer ao adulto que a emoção que ele sente agora é a mesma que ele sentia quando ouvia, lá longe no tempo, essa mesma canção. E que a saudade que ele sente agora não é vergonhosa, não, é legítima, por tudo quanto ele viveu, por tudo quanto ele deixou para trás, por todos os amigos de infância que lá ficaram e dos quais muitos já estão mortos e enterrados ou cremados ou esquecidos os que ainda vivem, mas não na música, não na voz de Wilma Bentivegna, eles estão vivos, muito vivos, todos eles, dentro do adulto que se derrete para ser de novo menino. 

Que saudade é essa? Quando tudo já parecia resolvido, quando todos os assuntos pendentes tinham sido devidamente pensados e repensados, todos os pequenos traumas resolvidos e vem esse maldito tubo de triturar emoções a fazer renascer emoções perdidas, emoções que nunca deviam voltar, porque são irracionais e emocionais, muito emocionais, e a cabeça do adulto é tão racional, tão centrada... E o velho já grisalho desaba em choro, um choro contido, claro, porque não pode chorar às bandeiras despregadas, como gostaria, porque os tempos são outros, e não porque homem não chora, não, é porque ele tem um pouco, sim, um pouco de vergonha dessa saudade que ele são sabe explicar de onde vem, que o toma, que assalta cada fibra de seu corpo, como se ele ainda estivesse subindo descalço as ruas tortas de sua cidade natal, aonde não vai há tantos anos, porque não precisa mais ir lá, ela está dentro dele, pulsando, com o mesmo sol das tardes na mangueira do quintal, com as mesmas pedras com que atirava sem acertar contra inocentes passarinhos, com a bola de meia cheia de espinhos do pé de ora-pro-nobis no campinho improvisado na frente da casa, com a praça, a velha praça onde um dia o menino conheceu um amigo diferente, o índio Justino, com as velhas árvores do quintal, as jabuticabeiras, as mangueiras, o abacateiro, as bananeiras, com o casal de patos a cuidar da ninhada amarelinha que aprende a nadar num laguinho improvisado, com o velho grupo escolar e seu cheiro de coisa que não se esquece, com os amigos, principalmente, sim, os amigos, aqueles que encheram de emoção suas lembranças, o futuro aviador que já embarcou numa viagem sem volta, o inteligente e culto que não ultrapassou a barreira de sua classe, e que também já se foi, o belo e tímido que hoje é médico e com quem fala de vez em quando, sempre com muita emoção, e mais tantos, tantos outros, um rol de rostos, de risos, de braços e abraços, e emoção é isso, é essa saudade filha da puta de ardida, que faz o peito apertar, que faz o menino olhar os olhos úmidos do adulto e perguntar, sem pejo, sem medo, que saudade é essa, companheiro? E acrescenta o menino: não precisa chorar, não, não precisa ter essa saudade, não, que eu estou sempre, sempre aqui...

Obrigado, Leny Eversong. Obrigado Lana Bittencourt. Obrigado, principalmente, Wilma Bentivegna, por vocês povoarem esse maldito tubo de triturar emoções.






Ouça essa crônica na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, num destes canais:

- no YouTube:



- ou no podcasta do Spotfy:




11 de fev. de 2015

PETÚNIAS




 Georgia O'keeffe - Petunia No. 2




chovem petúnias brancas do céu noturno


no beco o banquete é farto
para o Zé carroceiro cata lata
que mata a fome
com o resto de frango
do meio do lixo


chovem petúnias azuis do céu noturno


passa a viatura e deixa
um rastro vermelho
do grito de alarme e dúvida
dentro da noite
Zé carroceiro lambe os beiços
atira os ossos para o cão que vigia
cata os trecos para seguir a ronda


chovem petúnias púrpuras do céu noturno


quebra-se então o silêncio
em mil pétalas
despetala-se o peito do Zé
gane e foge o cão
o rabo entre as pernas
a fome para sempre adiada


chovem petúnias vermelhas do céu noturno


estronda uma janela
do outro lado da avenida
apaga-se a luz
do apartamento de cima
o motor da moto explode
o encapuzado vira sombra
vira nada no novo silêncio
de petúnias coloridas que caem
do céu noturno e cobrem
os dois buracos no peito do Zé


a cidade agora dorme tranquilizada
não chovem mais petúnias do céu soturno






Joinville, 5/2/2015

São Paulo, 8/2/2015


Ouça este poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, num destes endereços:

- no YouTube:


- no podcast do Spotfy:

8 de jan. de 2015

quando se empala um príncipe




(Alfred Kubin) 




Na estaca em que se empala um príncipe


devia-se poder escrever


que por todos os séculos os sinos bimbalhem


que por todos os tempos


os pianos dobrem canções de amor


canções de eternos amores


à impossibilidade de que aquele príncipe


ali empalado em carne e osso


fique para sempre ali empalado


e não espalhe mais o seu nauseabundo cheiro


pelo mundo de flores que se descortina, afinal.






Que se empalem, pois, todos os príncipes.


Que se glorifiquem sempre, afinal, todos


os príncipes empalados e empalhados


como eternas múmias e eternos espelhos


de tempos que não virão jamais


sob a batuta enferrujada de velhos reis


que não se cumprirão.


E assim seja!


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

12 de set. de 2013

ponta retrátil da caneta bic







desenha-se na mente o poema
para tornar-se concreto
através da ponta retrátil
da caneta bic

no alado arabesco cerebral
nasce de repente o poema

e agora busca
na página branca
a ponta retrátil
da caneta bic

pássaro de plumas e penas
em céu de brigadeiro
força-se o poema
a descer à terra
onde possa exprimir-se
por meio
da ponta retrátil
da caneta bic

na linha do sol
solta seu voo
e o sol - é claro -
aquece-lhe penas e plumas

de pena em pena
de pluma em pluma
na linha do sol
some o poema
sem encontrar
a ponta retrátil
da caneta bic




13.3.2013

21 de jan. de 2013

SOBREVIDA





(Cézanne)


Quando, pela manhã já entrada,
ressurjo de meu leito após noite insone
busco de novo a cada dia a vida
que corre cada vez mais devagar
nas minhas veias;
preciso nascer um novo homem,
de novo do ovo,
a cada batida do velho coração.
Contemplo a luz lá fora, saio do túnel trevoso
que percorri a duras penas, trêpega sombra,
e me arranjo em ossos e músculos
para transformar o lento caminhar
em algo decente ou próximo
do homem ereto.
Ainda longe da consciência,
vejo plantas, ouço pássaros,
contemplo o azul, conto as nuvens,
mas não amanheço ainda, apenas espero
que meus olhos doentes se acostumem
à clara luz de um dia que caminha para a tarde.
Sou o renascido. Pois cada dia assim é,
e cada dia precisa ser vivido e revivido,
mas devagar, bem devagar,
que o tempo se mede no lento caminhar
e se apresso o passo, apresso-o a se aproximar:
renascer é minha maneira particular
de enganá-lo, de dizer-lhe que não o temo.
E assim, cada manhã, quando já o dia
está em queda livre para a tarde,
ressurjo de novo do ovo,
algo próximo do homem ereto,
algo próximo do homo sapiens,
sabendo que toda a minha sabedoria
vai consistir em tentar o improvável
de todo ser a cada manhã redivivo:
enganar o tempo andando devagar,
vivendo devagar, pensando devagar.
Mas, é assim que sobrevivo.

1 de jan. de 2013

SIMPLES, ASSIM...




(Debret - Taubaté)







Quando acordo, ao amanhecer,


não quero sair de minha cama;


mais tarde, quando me levanto,


não quero sair de minha casa;


e então, quando o sol


já quase se perde no arrebol,


quero ter asas para voar


para o mais longe possível,


quero sair rápido


de minha zona de conforto,


antes que me sinta


indubitavelmente morto.






Joinville, 4/10/2012.

4 de dez. de 2012

AMO-TE AINDA


(Tomasz Kafel)



Confrange-me o peito

dizer-te que, sim, te amo ainda,

como sempre te amei. No entanto,

com esse meu louco jeito

que a tudo atrapalha e não deslinda

a vida e todo o seu encanto,

confesso que

não te quero mais.

Mesmo que sofra, eu te digo

que, nunca, jamais

buscarei em ti qualquer abrigo

para tempos de tempestade.

E ainda vou mais longe

nesse dasafio: ainda que

busque alívio ao desfastio

nos beijos loucos

e desejos - poucos -

de outras tantas,

não terão elas de mim

um só anseio que tenha sido teu,

pois não há mais saudade de ti

nas plantas de meu jardim

que neste coração que já morreu.


Joinville, madrugada de 6.10.2012

4 de nov. de 2012

MIASMAS



 (Francis Bacon - landscape)


Repugnam-me os miasmas da metafísica,
fantasmas que ainda assombram a mente
dos homens. Renego a semente maldita
de platônicas elucubrações de semi-ideias
em completa e infinita destruição da lógica:
quero apenas a concretude natural do mundo.

Criação implica criador e disso resulta todo o mal
do mundo. Cuspo o nome dos deuses de todas
as crenças na poeira da estrada que leva às estrelas.
Não existem almas à beira do caminho, mesmo que
insistam em vê-las todos os fanáticos do nada.
 O campo está minado quando a lógica da natureza
se submete a Aristóteles ou a Platão - mortos
insepultos nas piras dos templos, fogos-fátuos
de dois mil e quinhentos anos. Apaguemo-los.
Duraram demais. Falaram demais pelas bocas
de profetas e pregadores - e hoje devem voltar
para o fundo dos mares gregos, como as galeras
de todos os conquistadores que mentiram
sobre a infinitude do homem. Que reste apenas
a pedra - não de Pedro - mas da boa e velha
solidão da Terra a vagar no espaço infinito,
sem miasmas de merdas metafísicas.



Joinville, madrugada de 6/10/2012.

30 de ago. de 2012

ENIGMA





Irei, um dia, sonhar poemas,
não mais escrevê-los.
E a vida, assim, terá o sentido
dos esquecimentos e do não-esperado.
Quando as palavras murcharem
nas telas apagadas de todos os computadores,
o poeta olhará sua obra
e não a reconhecerá: terá esquecido
o significado da palavra porta
e não saberá mais transpor
os umbrais do conhecimento ininterrupto.
E do mundo dos poemas apenas imaginados
virão as cinzas do vulcão enfim extinto.
E a vida, assim, concentrará
o enigma de sonhos que são apenas sonhos.
Nada mais.




8 de abr. de 2012

Poemas de amor

(Gianni Strino)





não sei por que escrevo toscos poemas de amor

não sei e não quererás nunca saber

sigo apenas o que sente e o que manda esse desconforto

com que vivo cada momento em que penso

em que penso como seria a vida, como seria,

se não escrevêssemos todos os tolos poemas de amor
6.9.2010

22 de fev. de 2012

Nosso amor

(Fernando França)





na tarde que esfria

frio sinto o meu coração

não, não ria

por detrás de cada porção

de versos, de descaminhos

estão aqueles mesmos carinhos

que guardei para ti

assim, bem aqui,

e que, amiga, nunca mais quererás




deixa-me, te peço, te imploro,

está finalmente em paz

meu frio coração, não mais choro

os versos, os descaminhos

de nossa antiga paixão




guardo, sim, os espinhos,

todos os espinhos de nossos caminhos

como quem guarda na tarde fria

um tosco cobertor

em que um dia, somente por um dia,

agasalhamos o nosso amor



6.9.2010

16 de fev. de 2012

Porque éramos jovens

(Jean Bailly)





Porque éramos jovens,

Havia uma lua torta no céu

E olhos atentos para a nave espacial



Porque éramos jovens,

Nasciam paixões avassaladoras

Por trás da mangueira em flor



Porque éramos jovens,

Riscava o céu um foguete de esperança

E o mundo caía a nossos pés



Porque éramos jovens,

Nada era apenas uma palavra

Grotesca, sem dúvida, mas uma palavra apenas



Porque éramos jovens,

Ouvíamos e cantávamos as canções

Possíveis e impossíveis



Ah, porque éramos jovens,

Lua, paixões, esperanças, canções

Nada mais eram que arados

A riscar de vida o chão de nossos corações...



Porque éramos jovens!



13 de fev. de 2012

felicidade



(Airton das Neves)


(para Eliana Iglesias)







quando bebo uma xícara de café quente,

feito na hora, com o suave aroma enchendo a casa,

eu sou feliz




quando leio um verso que fiz há muito, esquecido num arquivo

do computador e encontro nele um laivo de poesia,

eu sou feliz




quando caminho pela rua sem pensar em nada,

solitário caminheiro anônimo até de mim mesmo,

eu sou feliz




quando viajo de automóvel e o vento bate em meu rosto,

trazendo da mata o suave canto de pássaros desconhecidos,

eu sou feliz




quando vejo teus olhos nos meus, sinceros, falando

coisas comuns de nosso dia-a-dia, enquanto me calo,

eu devo lhe dizer que me calo, sim, porque naquele momento

eu sou feliz




porque, amiga, não há no mundo nada que faça

que o homem tenha felicidade, mas há sempre

em pequenos gestos, em mínimos momentos,

um sentimento firme de que se é feliz, só, ali,

naquele instante em que o mundo para e olha para ti.



4 de fev. de 2012

NARIZES

(Daumier - Endymion)



Há narizes e narizes:
de todos os matizes,
negros, brancos, amarelos.
Há-os feios, há-os belos.
Narizes verdadeiros
de boa genética
e melhor ética
e há narizes falsos,
feitos em falsas curvas
mais que perfeitas.
Narizes redondos
como um caqui
e narizes arrebitados
talhados, moldados
a golpes de bisturi.
Há-os como celeiros,
ventas bravas de pêlo e pó,
máquinas espirrantes
por quaisquer cheiros.
Também há narizes
chatos de dar dó,
e narizes compridos
como eles só,
mas todos matrizes
de praças do interior:
promontório do rosto,
causam riso ou desgosto,
à vezes tristeza
mais do que dor.
Mesmo com a beleza
de fruta ou de flor,
mesmo grosso ou fino,
causam desatino
se na doce paragem
desafinam com gosto
do resto da paisagem.

26 de jan. de 2012

VOLTA









Rodo o mundo e volto sempre

para a velha e boa poesia.

Faz-me, quando a quero, companhia

sem nem se queixar de que fui embora.

Dá-me sonhos e os meus sonhos explora

como se fosse eu o seu espelho.

Conta-me casos de quase sonhos

e torna-me muito mais velho

do que realmente sou, dando

mais saber ao meu verso torto,

rindo de mim enquanto vou sonhando.

Não se importa de me ver morto

do cansaço de longas lidas,

espelha em seu verso minhas vidas,

não estranha em entrecortadas rimas

as aventuras que não vivi.

Empresta-me suas poucas limas

com que aparo arestas que sofri.

Por isso pelo mundo eu caminho

e volto sempre que eu preciso

para da poesia o suave ninho

que me abriga em seu sorriso.



19.9.2005

18 de jan. de 2012

Versos perdidos

(A. Andrew Gonzalez)


Ontem à noite em leito insone
pensei nuns versos maravilhosos que havia de escrever
assim que de posse de papel e tinta.
Um poema a deixar boquiabertos
todos que o lessem. Uma obra-prima a ser
transcrita em todas as antologias
de todas as editoras. A ser estudada por mestres
de todas as universidades e levadas entre as
folhas de cadernos e agendas de todos
todos os estudantes.
Versos tão fortes
e belos
e místicos
e reais
e profundos
míticos loucos verdadeiros emocionantes múlti
épicos e líricos que
alguém os colocaria a circular
no espaço virtual da internet. E lá, talvez,
na Austrália, no Japão, na Europa
ou na América (do Sul, Central e do Norte) morta,
um mísero escrevente brasileiro saudoso
da Pátria, em seu exílio voluntário,
esquecesse por um breve momento
o trabalho e o dólar suado de cada dia,
para lê-lo com ternura
e imaginar o sonho que estaria sonhando
se no Brasil ainda estivesse. E na tela
de um loucomputador
em mil pontos de luz transformado, o poema
ganharia o sentido de vidas só de esperanças vividas.
E comoveria. E abriria os corações a chamas
mais profundas de amor e solidariedade.
Pois é, mas a internet
e todos os mestres e alunos e expatriados
e apátridas – todos –
ainda vão ter de esperar pelo magnífico
poema que, à noite, em meu leito insone
imaginei.
Ao levantar-me após delírio,
o sol da manhã de outono desfizera
como gota de orvalho em folha morta
o poema.
E restou, apenas, na boca, o saibro amargo
da decepção.
São Paulo, 23.5.1995



10 de jan. de 2012

UM POEMA



(Amy Race)





De repente, assim, no meio da tarde,

Uma urgência rara,

Uma vontade louca

De sentar e escrever – 

Não importa quão longo ou tão curto – 

Um simples poema.

Ah! Um poema, um poema

Que não fale de amor ou saudade,

Que não cante pátria ou valores humanitários,

Apenas um poema de doce aroma repleto,

Alienado do mundo como tantos outros

Que leio por aí,

Apenas um poema que grite para mim

Da grande vontade de traçar alguns versos

Bem soltos e livres na página em branco

De papel ou do computador,

Apenas um poema que rasgue o meu peito

Em formato de bicho ou de flor,

Sem nenhuma cerimônia, sem nenhum respeito,

Mordendo e colhendo aqui e ali, uma rima justa

Ou um som mais rarefeito.

No ar da tarde que arde lá fora,

Não importa que tenha tal gosto

De comigo ficar ou de ir embora,

Basta que sejam versos bem livres

De teias e redes, estonteante beija-flor

Absorvido na faina de sobreviver mais um pouco,

Meu doceamargo poema de primavera,

Sem eira nem beira por longes telhados

Trepado aqui e ali, buscando apenas voar.

Doce pássaro alheio ao burburinho que vem

Da rua e dos ares em roncos de motores,

Um simples poema que cante somente

O ainda estar vivo e poder versejar.







(Terça-feira, 15 de outubro de 2002)