8 de out. de 2015

NOVENA


UM PONTO NOVE




Talvez haja luar sobre o jardim
e uma face negra sob a face branca
e uma face azul sob a face negra
e um arco-íris ao fim das máscaras

talvez haja apenas minha mente
a criar fantasmas e sombras sob a luz
a luz única de estranhos olhos
a ver apenas o luar plausível
nas brancas flores do jardim inútil

só porque talvez floresça a vida
sob o luar do jardim de outrora
e fantasmas a haver no fundo do meu ser.





DOIS PONTO NOVE




Dos deuses que em mim habitam
guardo apenas a ironia do riso fácil
a tornar inferno a vida fútil
a tornar em dor a saudade inconsútil

dos deuses que em mim resguardam
habituo-me a ter somente o olhar ardente
a domar os ventos de minha louca mente
a soprar a dor que em dor ressente

dos deuses que em mim ressoam
ouço os lamentos como do inferno
a queimar o amor em fogo eterno
a tornar mais fútil o olhar mais terno

os deuses que em mim se rasgam
abrem brechas no meu ser inútil
tornam gelo o ser que sente
queimam em sarça o corpo externo
para deixar bem claro que em mim habitam.





TRÊS PONTO NOVE




Em noites vagas de tempos longos
quando em luz a lua agoura
sonhos vivos de além aurora
o vento vem ao dia lento
soprar em mim o deus de outrora
e esse deus em luz tornado
para um instante para ver atrás
os sonhos loucos de luz e glória
a queimar em sangue à noite vaga.





QUATRO PONTO NOVE




Vagas noites de outrora inverno
vagas sombras de meus fantasmas
na rua estreita o bonde passa
e enche a noite de vozes vãs

em cismas de etéreas glórias
em vão desfilam meus caros sonhos
à luz da lua o bonde vem
marca em fogo o velho trilho
e arrasta em dor a dor que sobreviverá.






CINCO PONTO NOVE




Soube em ti desnudar o vento
minha alma triste em canto oblongo
a seguir a festa do deus já morto
a bater matraca à luz da lua

das pedras se levanta o pó
da fé perdida em noite azul
e o pobre menino inútil
revela a alma na chama nua.






SEIS PONTO NOVE




Leve o passo a sondar auroras
passa em poças o pé descalço
vinte o número em mágica posse
a vida além do morro desce
a encher de luz o passo firme

nada avisa o pé da pedra
a haver um dia à lua morta
atrás da sombra o vulto inútil.






SETE PONTO NOVE




Água corrente o corpo molha
vida corrente a alma espanta
do rio nasce o peixe inútil
ao pescador que anzol não leva
leva apenas da reza fútil
a voz eterna da água suja
em que um dia o deus deixou
que ao corpo nu um outro espanto
vazasse em medo a dor de amor.






OITO PONTO NOVE




Folgo em ver-te à luz de ti
ó lua fraca em noite vesga
o frio em ti a saudade gela
de outrora o rijo passo a ver aurora
em noites lentas de reza e dor

folgo em ver-te, ó luar inconsútil,
a descer teu manto à rua torta
em que deixei a caminhar perdido
outrora o sonho de um deus feliz.






NOVE NOVENA. PONTO.




Talvez não haja luar sobre o jardim
talvez
talvez não venha nunca sobre mim
o deus perdido em risos loucos

a lua apenas à noite a noite estranha
a lua apenas o meu sonho banha
ao verso esparso escolhe assim
o lamento apenas de um deus maroto
a zombar do alto o meu espanto

a dor de outrora era futuro
a dor de hoje é a face oculta
pela falsa lua a tecer mistérios
em jardins de luz que haverá outrora.

Nunca talvez agora.


  (Ilustrações: Emil Nolde)



24.5.94

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