5 de abr. de 2016

LUPANÁRIO

41


vigília






um relógio ao longe bate uma vez,
depois a segunda,
já na terceira eu agonizo
e vem o quarto toque e o silêncio

e então eu ouço outro toque
esse sim, o místico toque do salto do teu sapato
na calçada da avenida deserta
o ar úmido
o vento cortante
toque, toque, toque, toque
não são quatro, claro, são muitos os passos
que te trazem para mim, afinal, no fim da noite
ou início do dia
e paras à porta, a chave gira, o vento bate em meus olhos
teu cheiro entra por minhas narinas
o teu cheiro de fêmea fodida por muitos machos
mas é esse teu cheiro que me alucina
e tu jogas longe os sapatos e teus passos até o leito
são de corça desgarrada da manada e te atiras em meus braços
és minha, finalmente, depois da longa noite
depois da longa noite
depois da longa noite



14.7.2013



42


chorei por ti




os nós da vida estão em nós
as putas de cada esquina
em desleixos de madeixas queimadas

somos os que somos e mais ainda
somos o que querem que sejamos

não fingimos
como fingem os fingidores
mas sentimos na carne e nas dobras do corpo
cada um dos nós de nossos desejos
contidos em vasos de horror e pranto

chorei por ti
meu desesperado amor
chorei por ti
no teu leito em forma de lua
no quarto de hotel vagabundo
no quinto andar do prédio decadente
e pensaste que te amava

chorei por ti
meu tresloucado amor
porque eras a vítima quando pensaste
que tinhas colhido a última flor do meu desejo

ah, meu caro, os lugares-comuns do amor
mais que lugares-comuns do eu te amo
são apenas os nós do meu corpo
a rejubilar-se em dólares e ienes
nas esquinas de Tóquio ou de Manhattan

pensaste que sou puta de paulistana cepa
sou do mundo, meu desencantado amor,
sou eu e os meus nós em cada continente
a esperar a doce morte de cada um dos meus clientes
para arrancar-lhes um pouco do meu dia seguinte

vivo assim os meus nós - cada dia um pouco
um pouco de cada beijo, outro tanto de cada orgasmo

chorei por ti,
e foram as lágrimas que secaram os meus nós


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