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depois do bar
(Francis Picabia)
batem cinco horas
no relógio da São Bento
encontro-me contigo afinal
depois de muitas ruas
e esquinas
no bar o garçom sonolento
nos recebe com cara
de poucos amigos
peço um uísque
você toma uma coca-cola
paraguaio o uísque
quente o refrigerante
não nos falamos
o garçom nos olha
desconsolados os três
há todo um clima
de noite interrompida
e dia que não vem
ou vem lentamente
no passo trôpego dos operários
que irão daqui a pouco
dependurar-se como fantoches
nos elevadores externos
de prédios em eterna
construção
olho nos teus olhos e
teus olhos não olham
nos meus
somos agora estranhos
que há pouco se conheceram
ficou para trás nossa
história
e nem sei bem por quê
na tela mortiça da tevê
balança os quadris a Beyoncé
não a ouço cantar apenas
vejo-a a rebolar
com mais algumas bailarinas esguias
e um trio de cantoras gordas e felizes
a coca-cola esquenta
entre teus dedos
ligo nas tuas pernas nuas
as pequenas varizes
que tecem desenhos
desenhos de operários
presos por fios azuis
como fantoches
foram tão ferrenhos
nossos dias
no copo em minhas mãos trêmulas
o gelo do uísque derrete
o garçom limpa o balcão e tosse
espera com certeza
que comecemos uma briga
e olha-nos complacente
não tem tempo o tempo
de espera
o relógio da São Bento
martela os quinze minutos
de nosso silêncio
a cidade acorda
levanto e chamo o rapaz que agora
varria a calçada
em passo lento volta ao balcão
anota num pedaço de papel a conta
pago com uma nota velha de cinquenta
recuso o troco
e saio
a Beyoncé e suas bailarinas recolhem
o aplauso
não olho para trás
porque sei que teus olhos
me seguem
que teus olhos me seguem
até que chegue à rua
e depois meus passos chapinharão
na rua molhada há pouco lavada
e depois
e depois teus olhos piscarão
(soube que choraste por mim)
e não haverá mais nada
14.9.2013
FIM
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