20 de abr. de 2016

mulher paulistana




(As três graças - Antonio Mingote - 1994; Juicio Paris)




procuro por ti, meu amor,

pelas ruas loucas

desta cidade insana

são tão poucas as possibilidades

de nos ver de novo

estás em Parelheiros ou em Santana?

misturo-me ao povo

faço promessa, acendo velas,

enfio-me por ruas e vielas

quero pular de um viaduto

curtir meu luto

nas escadas do Bixiga

tomar muita cachaça

puxar faca, puxar briga

acordar na desgraça

numa praça do Mandaqui

lembro que um dia te vi

no Tucuruvi

e por lá me perdi

ou então gasto luas e luas

percorrendo as ruas do Jabaquara

tu não estás aqui e podes estar por aí

e minha corrida não para

pego o metrô, desço em Itaquera

percorro em vão

o que pede meu coração

no velho Centro caminho

pelo Vale do Anhagabaú

e pela Avenida São João

sem eira nem beira busco o teu carinho

em pontos de putas, peões e trambiqueiros

da Vila Buarque e arredores, nas feiras

do sexo e do prazer, destinos corriqueiros

de loucos, desabonados, desesperados

que foram como eu abandonados





depois de tanta espera

na esquina mais famosa

desço para o Ibirapuera e faço a festa

colhendo uma manga rosa

nos jardins do Bandeirantes

formo com os manifestantes

na praça do grande relógio

e só me resta então prender a respiração

nas alamedas da USP

correr da polícia

ah, que delícia invadir a reitoria

depois te buscar

e de não novo não te encontrar

na porta da delegacia,

fazer passeata, cantar serenata,

pôr fogo em ônibus ali no Mandaqui

fugir por aí, por ruas tortas da Vila Mariana

encontrar pessoas mortas

na Consolação

pensar que a menina suburbana

tão doce, tão sem medo

saia curta, chinelo de dedo

desfilando no Paiçandu

eras tu

ah, minha querida, passeias pelas teias

das ruas de Paraisópolis

num shopping de Higienópolis,

rodas bolsinha na Indianópolis,

posas nua na tarde insana

para um pintor sem grana

da Vila Madalena,

de ti ninguém tem pena,

trabalhas das oito às dezoito

no Itaim Bibi,

brigas no ônibus lotado

com o cara folgado

que encosta em ti,

me mandas mensagem pelo telefone

dizes que estás insone

porque um golfinho morreu

numa praia de Santos nessa manhã,

passas pelo Mercado da Cantareira

reclamas do preço da maçã,

uma fruta de que nem gostas,

almoças no terraço do edifício Itália

com o embaixador do Irã,

escondida numa burka preta,

reconheço teus olhos, tua pupila,

requebras numa fantasia violeta

na terceira fila de uma escola de samba

do segundo grupo, bamba que és,

no pátio do colégio do Anchieta

driblas meus anseios

de ver-te ainda à tarde

em ninho de amores clandestinos

no bairro da Liberdade,

teimas em negacear desatinos

ao sol que arde no pico do Jaraguá,

e então, amor, que a noite que virá

implacável com seus mendigos e pedintes

não faça de mim um sem teto e sem destino,

por todas as semanas seguintes

por esta velha São Paulo sem chuva e sem garoa

mais fria neste frio abandono

para este cão sem dono

que corre ruas insanas

ganindo para todas as luas

que sejam Adas, Adamaris,

Maristelas, Stelamaris,

Anas Marias e Marianas,

Luísas, Solanges, Angélicas,

Cidas Rosas e Rosas Marias,

Marias Rosas, Brisas, Betes, Elisabetes,

Rogérias, Futamis, Suélens,

Suelis, Lúcias, Lucinhas, Lucíolas,

Zuleikas, Teresas, Teresinhas,

Helenas, Vanessas, Fábias,

Fabianes, Elianes, Fabíolas,

Érikas, Claras, Marias Claras,

Marias, Margaridas,

Luanas, Elianas, Fabianas,

sejas tu a que eu procuro e reclamo,

pelas ruas e vales e avenidas,

desta cidade insana,

tu, mulher que eu amo,

tu, mulher paulistana


25.2.2016





(Você pode ouvir este poema, na voz do autor, no podcast cujo link é este:





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