30 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 22




No mato, o rato,
no rato, o gato:
silêncio gordo.





26 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 21






A coruja pia.
A pia pinga.
A pinga esquenta.





24 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 20





O rato pula.
O gato mia.
Fast-food.





22 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 19





É noite.
Nada se move.
Susto.





20 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 18






A tarde cai.
Depois do baque,
silêncio.





18 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 17





Um risco
grita no céu:
maritacas.





16 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 16





Sol. Chuva.
Chuva e sol.
Arco-íris.





10 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 15





Um sonho
na tarde:
um beija-flor.





8 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 14





O rio passa.
Leva consigo
a paisagem.





6 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 13




Canta que bem te viu
o bem-te-vi.
Responde o sabiá
que não está nem aí.





4 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 12





Cai da árvore
e na grama rola
uma estrela madura.
Carambola
.





2 de dez. de 2010

QUASE HAIKAIS 11






Abrem o bico
no ninho, os passarinhos.
Só eles têm fome.





30 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 10







No muro,
o cacto murcho.
Passado.





28 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 9






Como um beijo
de amor,
sem nenhum pejo
tomba a flor.





26 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 8





Na tarde, o vento
leva para longe
meu pensamento.






24 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 7





No horizonte
o sol se põe.
Aplausos.





22 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 6




Jaz a flor
sobre o túmulo.
É tarde.






20 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 5




Chap, chap,
que foi isso?
A rã, no tanque.






18 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 4




Destranque
a tarde o pulo da rã
no velho tanque.






16 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 3






Não se ouve o baque
no velho tanque
do pulo da rã.





14 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 2





No velho lago, pula
a rã: dia aziago,
sem amanhã.






12 de nov. de 2010

QUASE HAIKAIS 1





Sussurra o vento: psiu!
sem bulha! Mas – ploc-
a rã mergulha.






8 de nov. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 30


(Guennadi Ulibin)


Serviço


Ofereço-te prata
e ambicionas meu ouro.
Dou-te tudo quanto aspiras
e deixas-me falando comigo.
Se te agrado com minha chuva,
desagarras-te de mim
em busca de nuvens.
Sou teu escravo
e te recusas ser o meu senhor.
Bajulo-te e odeias-me.
Somos da mesma moeda
não a harmonia dos lados opostos:
em tua face os teus anseios ocultas.
Se te prometo o que desejas
não mais te interessam minhas intenções.
Tornas-te esfinge
se penso entender-te.
Devoras-me, no entanto,
se não me consomes.


Rio de Janeiro, 25/6/98


FIM 

DOS 

POEMAS ESPARSOS

4 de nov. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 29


(Guennadi Ulibin)


Inconsútil


Não quero o apoio inconsútil
de mãos angelicais. O apelo
ao mar inútil, a quebrar o selo
de todos os meus ais. Vem

ao encontro de mim, como louca
e beija também minha
pele e minha boca, assim
como o desejo caminha para

o anseio de seus beijos, num
passeio em busca de teu
sexo... Oh! louca, escancara
teu riso, teus olhos, para o nexo

infinito, afinal, num zoom
total de amor, dor, promissor
de mundos e mãos, na paz
que em mim, inconsútil, se desfaz.




28.7.94

2 de nov. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 28


(Guennadi Ulibin)




Escuta



Escuta os teus demônios - diz-me
a voz que trago em mim - não são
luminares, mas escuta-os.
Negrejam os caminhos quando,
distraído, não os ouves. Deixa
que dissipem o teu pranto
e sufoquem com suas vozes a tua queixa.

Naufraga o teu snnho, se
teimoso, não ousas
seguir-lhes os conselhos.
As vozes (de teus demônios) escondem
a sabedoria dos que se foram
e a experiência dos mais velhos.

Para, para a tua vida por um instante,
antes que do distante
visitante recebas a admoestação mais vil.
Urge o tempo. Do fundo das fundas eras
o tropel dos séculos transforma em cinza
todas, todas as tuas primaveras.



15.7.94

31 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 27


(Guennadi Ulibin)



Silêncio



Falam-me de coisas que não
quero saber.
Dizem-me palavras que não
quero ouvir.
Estou surdo aos apelos
alheios,
pois só notícias tuas me importam.
Mas, essas, oh!
não, essas ninguém
me traz. Faço do silêncio o meu túmulo.
Morrendo a cada instante dentro de mim.


15.7.94

29 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 26



                                                                                          (Guennadi Ulibin)


Verso inútil



De que eras antigas, perdidas no tempo,
vem essa melancolia que me aflige a alma?
De onde a dor, a dor que em mim experimento
como um vulcão que jamais se acalma?

De que pecados foi feito o ser que em mim habita,
para que, na solidão e no âmago profundo
da noite eterna, continue sempre nessa desdita
de assumir em mim as dores de todo o mundo?

Recolho-me em ânsias e como sonâmbulo escrevo
loucos poemas embebidos em lágrimas e sangue;
faço e refaço tudo aquilo que não devo
para, ao fim de cada verso, prostrar-me exangue
e deixar que docemente retorne a dor
de uma saudade cada vez mais estranha e louca.
Não consigo ir além de mim e transpor
o sentido oculto que não ousa explodir em minha boca,
preso ao peito como um verso inútil ao fim do poema.


14.7.94


27 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 25


(Guennadi Ulibin)


Menino triste


Retorno ao tempo que já não há,
escuto em mim o eco de passos mortos.
Na noite inútil o vento passa
a tingir de azul o manto estelar.
Sonho os sonhos do porvir
à luz tênue de velas a queimar.
Sou dono de mim nesse momento extremo
em que às notas míticas de uma canção
transporto a dor de meu futuro incerto.
Não cantam grilos ao pé do mandacaru,
não nascem flores nos ramos da mangueira,
não rola a bola a tecer enigmas
no campo atrás da casa improvisado,
só o silêncio ampara a angústia,
só o desejo desperta a emoção,
e o menino triste contempla a si
na solitária cama da noite triste.
Passam fantasmas, fantasmas rotos
de sonhos mortos.
E o tempo que promete a vida
para um instante para travar o grito
de um futuro há muito não realizado.







14.7.94

25 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 24


(Guennadi Ulibin)



Fim do sonho


Em transe, como ao ópio acorrentado,
revisito o mundo num verso de Pessoa.
Acompanha-me em si mesmo mergulhado o poeta em multifantasmas enigmáticos
a sorrirem o sorriso triste de ironia lusa.
Talvez a ver do mundo as naus que nunca
do porto à espera jamais zarparam,
desfeitas em nós de nadas e espumas.
Loucos ambos, loucos todos, a mim, ao poeta
e seus eus (caminhamos num mundo já previsto
por deuses falsos e falsas crenças
a vir-a-ser do caos o eterno instante)
parece tornar o futuro que já passou,
nos piscas-piscas de velozes máquinas,
na planta murcha à entrada do arranha-céu
de um céu virtual - tristes todos - eu e
meus poetas - a rezar o credo dos ateus -
como deuses, como deuses vãos em madeiros
rotos, como em raios de tormentas
à luz do semi-inverno, fogos fátuos
de insanidade à luz do néon, do néon de mil,
de milhões de luminosos que anunciam
- para breve -
o
fim
do
sonho.


17.5.94

23 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 23


(Guennadi Ulibin)



Simples beijo




Sonham-se ficções na noite fria
e a realidade em passado se transforma.
Do futuro assomam e assombram
imagens nunca antes imaginadas.
Para o sudeste aponta agora o Cruzeiro
como se o céu, deslocado em seu eixo,
um novo firmamento aos olhos desenhasse.
Como fogos-fátuos fúlgidas luas
à noite traz o dia eterno.
Não há mais pesadelos. Nem sonhos.
Ficaram para trás o presente e o passado
e o mundo respira apenas o futuro.
Morreu também a poesia simples
da brisa de primavera a balançar a flor.
No fundo da alma humana paira, no entanto,o banzo eterno do amor um dia vivido
no sonho simples de um simples beijo.



Divinópolis, MG 9.7.94

21 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 22


(Guennadi Ulibin)



Os deuses



Criaram os homens aos deuses
para atenderem a seus caprichos.
Sonharam-nos onipotentes e foram por eles dominados.
Já não vivem sem sua memória,
escravos que são dessas criaturas.
Em vez de servirem aos homens,
exigem eles (os deuses), cada vez mais,
sangue, suor e sacrifícios
aos quais devotam extrema indiferença.
Vivem, assim, os humanos presos às próprias criaturas, inertes,
professando crenças antigas,
perdidas no tempo, cravadas na memória,
inúteis como os próprios deuses
um dia inventados para salvá-los.
Num assomo, porém, de estupidez extrema, não contentes do mal que se fizeram,
reuniram os homens num só deus
todos os deuses que então adoravam.E esse deus, mais cruel que os demais,
travou na mente de seus súditos
toda e qualquer possibilidade
de descobrirem o engodo e se tornarem
eles mesmos os verdadeiros deuses.



3.1.94

17 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 21


(Guennadi Ulibin)


Depressão


Outono em plena primavera.Inverno em pleno verão.Tristeza em meio à diversão.
Estranhos dias de estranha espera.Nada vem, nada muda,
tudo é noite e a noite é preta.
Assim passam os momentos
tornados séculos em cada dor.
E a dor é funda, e a dor não cala,
e o peito parece brasa
a arder em fogo cada vez mais lento,
cada vez mais forte.
A vida é inútil em seus detalhes,
pois o ser navega nas esferas que giram além do próprio mundo.
Solidão total, solidão fria, fria,
envolve a cada pulsar
o velho coração cansado.
Misturam-se revolta e dor
e a dor cada vez mais funda.
Abismos, abismos em fossas
cada vez, cada vez mais negras.
Não há sentido, não há caminhos,
tudo em círculos a girar continua e sempre e sempre e sempre
a puxar ao centro, ao nada, à dor.
Assim passam os momentos
em milênios transformados
em cada grito, em cada dor.
Vez por outra nasce a luz
mas é vela em cera já queimada.
Não há caminhos, nem estrelas
que guiem o navegante ao fundo do nada.
A jornada é solitária, solitária e triste,
no túnel negro da antiga e boa depressão.




14.12.94

15 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 20


(Guennadi Ulibin)



A porta


Ante a porta trancada, envolta em luz, lua verde filtrada entre frestas,
detém o passo
o estranho caminheiro.
Ofega-lhe o peito
da longa estrada
de obstáculos percorrida.
Turvos os olhos
do sal dos caminhos.
Trêmulas as pernas
do peso dos abismos.
Crestada a pele
dos mil sóis de mil meios-dias.
Ali, prestes a ter
da busca a recompensa,
não vê com os olhos
o que os olhos desejam ver.
A porta.
Fechada sem trinco.
Lacrada sem lacre.
Inefável em sua existência
de simples existir.
Fluida e concreta.
Opaca e luminosa. A porta.
Abstração de aço e chumbo.
Fim em si mesma.
E o viajante, ali,sonhador incorrigível,
sugado dos ventos de lentos caminhos,
vê na porta intransponível
todo o mistério de sua própria vida.


27.10.93

13 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 19


(Guennadi Ulibin)



Miseráveis



Busco em ti,
prostituta de Paris,
o mesmo que sempre vi na Roma dos travestis;
reconheço em ti,
menino de rua,
das ruas de São Paulo,
a verdade ainda nua
que sempre sofri;
revejo em ti,
gueixa-mulher do Japão,
toda a discriminação
que sempre combati;
associo a ti,
negro pobre de Nova Iorque,
tndo o assédio torpe
do capital que te rodeia;
renego em ti,
muçulmana entrevista,
a religião fundamentalista,
a tecer a teia
da escravidão;
desprezo em ti,
jovem do morro de Janeiro,
promessas de ano inteiro,
que te fazem governantes;
bichas e negras,
gueixas e pobres,
do mundo das trevas.
à luz que vos encobre,
tendes em tudo toda a dor
de terdes, à margem da margem,
o esgoto do amor
num pão que vos dais
a podre sociedade
que vós ameaçais.


2.8.93

11 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 18


(Guennadi Ulibin)



Buraco



Ao fender-se a terra
em abismos de sangue,
vi que o buraco encerra
meu próprio eu exangue.

Para melhor apreciar
o grande espetáculo de me ver em chamas,
deixei-me de um lado e para o outro pulei.
Via-me, assim, em imagem de espelho,
ao mesmo tempo que projetava
no abismo de fogo um novo eu a cada instante.
No pesadelo de me ver
dos dois lados da voçoroca
e ao mesmo tempo queimar-me ao fundo,
lutei em vão para entender
em que mundo me achava assim dividido.
Partira-se-me o próprio corpo
em pedaços intocáveis.
Se me via ao sul, no norte me achava.
Se me via ao norte, no sul me contemplava.
E a dupla máscara ao fundo vigiava
outros monstros de mim nascidos.
Assim fiquei por muito tempo
a enganar-me e ao próprio mundo:
ser de múltiplos recursos
em mim mesmo sem nenhuma esperança.
Até que um dia o vulcão
desfez-se em lágrimas candentes para, depois de louca explosão,
cegar-me para sempre a mim e a todos
que de mim se projetaram. Inutilmente.


3.6.93

9 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 17


(Guennadi Ulibin)




VIADUTOS


I

À sombra do viaduto,
olhos ferozes contemplam a cidade.
Traçam planos absurdos
enquanto mastigam pedaços de pão
para aplacar a fome do cheiro de cola.
Ninguém está imune.
São todos, todos culpados.
Os vermes virão da terra
e quebrarão os vidros dos automóveis de luxo.
São ratos nauseabundos
a misturar-se aos perfumes franceses
de lojas elegantes.
Não há ratoeiras que os prendam.
Não há polícia que os detenha.
Estão todos, todos perdidos.Eles dominarão a terra,
farão compreender aos burgueses
quão frágeis se tornaram
as estruturas sociais.Os ratos só sabem
do roncar de suas barrigas.
Ignoram planos traçados
nos gabinetes oficiais.
São ratos, apenas ratos,
a arrepiar estruturas sociais.
Enquanto isso, a cidade
olha as estrelas difusas
e escreve leis para abolir os ratos.


II


O viaduto inchou e explodiu.
Dos escombros pulularam ratos
que assombraram os planejadores.
Tomaram de assalto
gavetas ministeriais.
Surgiram aos bandos
dos punhos de renda dos homens da lei.
Seus guinchos gravaram
em discos a laser de duplas caipiras.
Seu fedor implacável
grudou-se para sempre
nas notas de câmbio
de bancos oficiais.
Seus pelos entrelaçaram-se
às peles mais caras
das putas de luxo.
Seus dentes podres abocanharam
as trufas importadas
no prato do velho banqueiro.
Seus olhos de sangue assustaram
meninos inocentes da bolsa de valores.
E quando tudo perdido parecia,
a lei salvadora estampou-se
na página primeira de todos os jornais, revogando disposições em contrário:
DE AGORA EM DIANTE, PROÍBEM-SE OS VIADUTOS!


III


No ano de dois mil duzentos e vinte,
um viajante estelar aqui pousou:
com técnicas estranhas começou
a buscar as causas do estranho vazio.
Encontrou cidades intactas
e obras mil de raro saber.
Nos campos, as árvores vergavam
de frutos repletas.
Mares e oceanos abrigavam
peixes, crustáceos e mamíferos
de espécimes estranhas
aos olhos atentos do esperto viajante.
Mesmo os morros e planaltos,
as florestas e matagais
pássaros, flores, feras possuíam,
num quadro perfeito
de harmonia natural.
Faltava, apenas, ao viajante
examinar com mais rigor
as águas paradas dos rios antigos.
O olho eletrônico da máquina alienígena
aos olhos estupefatos do experiente viajante
revelou a presença aos milhares,
em formas primitivas e mutantes,
do velho e conhecido vibrião da cólera.




10.3.93

7 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 16


(Guennadi Ulibin)


Salada geral em 1978



Sou poeta!
Poeta? Poeta!? Estranha palavra, esta.
Poeta... Lembra-me
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
Parnasiano até no nome - alexandrino.
Mar não sou ourives,
como posso ser poeta?
Busco apenas as palavras e brinco com elas.
Palavras em “estado de dicionário”
como já disse o Drummond.
E vou construindo versos mancos
- como a própria vida.
(É inútil não querer filosofar
através de uma comparação ou de uma metáfora
metida a besta).
Mas vou brincando com as palavras
- inúteis?
Sei lá! Talvez o sejam (mas não quero pensar nisso).
Abro a janela (bonita palavra - janela! Já
pensaram se não houvesse janelas no mundo?
Um pobre poeta não poderia olhar para fora!)
Olho os meus companheiros e estão taciturnos.
Drummond também já disse isso.
Só não disse por que estão taciturnos:
as esperanças que eles nutrem são também inúteis.
Voltemos à janela: abro-a ou já estava aberta?
Não importa!
Olho o mundo, ou melhor, o Brasil!
Vejo a ilha de paz e tranquilidade.
Vejo a felicidade (para não dizerem que não rimei)
de uns poucos burgueses - burgueses: palavra fora de moda
(desde que Oswald escreveu sua ODE AO BURGUÊS).
Melhor dizendo: uns poucos executivos e tecnocratas
- FELIZES - sob a batuta do presidente.
Melhor fechar a janela
para não ver a miséria de salário-mínimo
as favelas do BNH
os trombadinhas
os motoristas de táxi
os professores
os médicos
o jovem estudante cheio de ideais
o contista mineiro
e a orquestra sinfônica...
Se sou poeta, como fazer poesia
na desesperança?
Para que brincar com as palavras?
Ver o tempo presente?
Ou ser um fingidor?
Contestar? Protestar?
Gritar? Berrar?
Escrever versos que ninguém lerá?
Pichar as paredes e os muros?
Virar monge tibetano? Tomar LSD
e vender a alma numa feira hippie?Talvez ao Poeta baste
o sorriso de uma criança
-desdentada - desnutrida - maltrapilha -
para ver o futuro da Grande Nação.
Com suas usinas atômicas
e as águas de Itaipu.
Com reus rios e matas.
Rios - São Francisco, Pirassununga, Verde, Grande -
IPANEMA.
Matas - da Cantareira, do Cipó, Atlântica -
cartões postais dos saudosistas.
Riquezas do meu Brasil
transformadas em dólares e ienes.
O ar puro vendido ao peso de ouro
da especulação imobiliária.
Fechemos, rápido, fechemos
todas as janelas!
Vedemos todas as frestas!
Cerremos todas as cortinas!
Alguém já disse que a Poesia morreu: NÃO ASSISTAMOS AOS SEUS FUNERAIS!


BH 5/11/78

3 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 15


(Guennadi Ulibin)


Fogo da dor


Do fogo de minhas entranhas nasce o fogo dessa dor:
não importa quão estranhas
sejam as dores desse amor,
fujo de mim para dentro de mim
buscando a cada instante a razâo
para penar tanto, tanto assim,
culpando a cada vez o coração;
da tristeza que me invade
à tristeza que exterioro,
sinto em dor cada saudade
na lágrima que não choro;
e em versos que pingam sangue
deixo em palavras ocas
a dor de minha alma exangue
aberta em dores cada vez mais loucas.




12.9.92

1 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 14


(Guennadi Ulibin)



Sombra


Caminha atrás de mim uma sombra
calma e fria como a morte:
seus gestos são meus gestos
seus passos são meus passos;
vem, a sutil, a envolver-me em seu manto
pouco a pouco em tenaz perseguição;
se paro, estanca o passo e me contempla
com um triste sorriso de prenúncios;
se corro, alcança-me em poucos segundos
e seus olhos advertem-me para o inútil gesto;
se contemplo o futuro em busca de luz,
projeta-se ela à frente de meus olhos
e tudo que sinto reverte-se em dor,
a fechar horizontes outrora tão amplos;
exausto, enfim, entrego-me à sombra,
abraço-a em pranto, os dentes cerrados,
afundo-me em trevas, os olhos em fogo,
mergulho em seu peito em busca do nada
e encontro, por fim, num último suspiro,
toda a tristeza que sempre me seguiu.

3.9.92

29 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 13


(Guennadi Ulibin)



Vento

Vem um vento frio,
frio como a morte:
sopra fraco do passado
a trazer ao peito meu
uma fria e fina angústia...

Vem o vento e aumentam mais um pouco
as dores, dilemas e fatos
que não deviam mais voltar
e meu peito se estufa de mais angústia...

E o vento sopra como um tufão,
a vergar meu coração-palmeira-encrespada,
a trazer uma grande dor que parece infinita...

Da procela no olho vesgo,
abro um pouco meus próprios olhos
e vejo ao longe outras palmeiras
já quebradas e arrastadas ao vento forte...

Só me sinto em meio ao tufão,
já meu coração prestes a parar,
mas na última rajada, definitiva,
encontro em minhas raízes a força maior.

Machucado, arranhado, alquebrado,ergue-se aos poucos meu coração-palmeira,
ao ver um raio fino e frágil de luz
que, em meio à treva, me vem dos olhos seus.



21.8.92

27 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 12


(Guennadi Ulibin)


Velho dragão



Vou-me consumindo em chamas
sopradas por um velho dragão
e enquanto sofro me renovo
a nascer e renascer a cada instante.
Não bastam, no entanto, as chamas
a devorar em lenta agonia o peito em dor:
mais que a voraz consumição,
mata-me aos poucos o sonho inútil
de ver em ti transformada a fera rude.
Embora saiba que és tu a alma
do monstro que habita as cavernas de meu ser,
pressinto-te amando-me mais
quanto mais me consome a vida a chama desse amor.
És o deus vingador em línguas de fogo tornado,
para trazer a mim o sentido profundo
de ter-te em chamas a queimar meu peito,
de viver em morte cada segundo em que asseguro amar-te mais que à própria dor.




18.8.92

25 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 11


(Guennadi Ulibin)



Amor sem fim



rompeu-se o dique às dores
a afogar-me o frágil barco
às ondas insanas em dor tornadas

e vêm-me aos olhos vagas sombras
em véu de angústia a tolher-me o pranto
em vão me esbaldo no remar inútil
em vão me esforço a sofrer calado

ondas de triste espanto a dor navega
só e profundamente só me sinto
tendo por prazer a dor da entrega
e pulsa em mim a angústia total

fujo de mim e em mim me afogo
em mar de escolhos de espanto em dor
sou o marinheiro triste a fugir do porto
para a fatal viagem de um amor sem fim.


29.7.92

15 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 10


(Guennadi Ulibin)


A dor





A dor é azul como o azul de rosas inexistentes
diáfana e suave
sabe a cheiros de mar a dor
triste e azul como o mar
a dor é fria é gelo é aço
corta em pedaços o ser a dor não sofre fazendo sofrer
a dor não chora
fazendo chorar
e o sal que à boca chega
tem cheiro de mar
do mar não vem a dor
do ar não vem a dor
do fogo não vem a dor
queima afoga expira
no peito em dor
a própria dor.



21.7. 92

13 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 9


(Guennadi Ulibin)


Saibros



Saibros que descem à chuva

da vaga-luz à luz da lua

de pedras – montanhas em serras azuis do píncaro ao vale

ralam meu peito

na ânsia de ir

ao fundo da terra

em busca de luz

à dor entregue exangue

do sangue ao suor

saibros de dor

ao triste féretro

de doce luar.




21.6.92

11 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 8


(Guennadi Ulibin)


Refúgio



Se fico bêbado pelas esquinas

e os cães me lambem a boca,

do nojo ao certo em ti me encontro;

se me ralo nas pedras das ruas,

se me atropelam os ônibus da vida,

se sofro, se choro, se me desespero,

em teus braços o refúgio derradeiro

encontro para novos embates;

se me desprezam ou me cospem,

se partem meu coração em átomos de dor,

se me tornam vil e mesquinho,

em teu corpo, em teus olhos me purifico

desejando um dia merecer todo esse carinho;

e tu me vês sempre a sofrer,

fazendo-te sofer ainda mais:

sou aquele que sempre volta,

como um cão vadio à procura de dono,

à casa em que me esperas limpa e doce

para purgar os crimes de que não fujo,

para tornar-te uma vez mais

a parceira de negros tormentos

de minha alma louca e sem sossego.


15.4.93

9 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 7


(Guennadi Ulibin)


Um deus



Entrei, um dia, no meu próprio ser,

à busca do deus que em mim habita.

Na caverna escura, bem ao fundo, brilhavam

seus olhos que a tudo perscrutam.

Encarei-o, encarou-me, odiamo-nos.

Num combate mortal entre imortais,

mergulhamos ambos no fundo abismo

onde assistem todos os demônhos.

Entre mim e o deus selou-se a paz

para a luta contra nossos poderes antes ocultos no fundo de nossas mentes.

A luta atroz remete-nos ao passado

e prepara a fronteira de nosso futuro.

Mas seu final inglório será um dia

atingir a morada de todos os deuses.




12.1.94

7 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 6


(Guennadi Ulibin)


VÍDEO, GRATIAS!



Em queda livre,

caia de boca na mediocridade!

Tenha a futilidade da pluma ao vento:

lave os seus pentelhos com shampoo de ervas

escove seus olhos com o creme dental mais branco

lave ruas roupas com a fumaça do erotismo

e seja gay no horário nobre da TV;

coma o horóscopo de cada dia e sorria o riso branco de silicone.

É preciso profanar

os seios virgens da bailarina azul

e amar metaforicamente

todas as putas e travestis.

Caia de boca

na boca do mundo

e viva a média de sua classe

através das lentes de um falso cristal.

Afinal, será essa a única dor que não dói?


17.2.86

5 de set. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 5


(Guennadi Ulibin)



Genial




Genial é o palhaço Carlitos a capturar num gesto todos os sorrisos,

a esconder num passo a dança

de todas as dores.


Genial é Drummond

a tirar do verso a dor ridente

de si mesma sorrindo.

Genial? Genial é Picasso

a esconder as formas aparentes

em traços aleatórios

de abismos revelados.

Genial é Rodin a pensar o homem

ao pensar na pedra.


Genial é o moço

eternamente sonho a buscar

guerrilhas de liberdade

e a dar ao nome - Guevara - o som

de todas as igualdades.


Genial é, enfim, o homem

que sonha o real,e, ao sonho realizar,

nos caminhos não se perde

de seu louco ideal.






28.7.93